25 de jan. de 2010

CORRIGIR DEFEITOS DE ORIGEM, segundo Agostinho da Silva



Talvez não seja muito ousado pensar que se tem de restabelecer Portugal porque talvez alguns defeitos que lhe achamos venham mesmo de origem. Para tal o veremos não como é hoje, mas como se apresentava antes de ser. Era ele na realidade, uma parte, a meridional, da província romana cujo nome a Galiza herdou, de modo que parecia possível que o futuro país se estendesse do mar Cantábrico até, vamos, ao Douro. Não sucedeu, porém, assim: acontecimentos históricos, que não podemos, pois que nada se sabe, ou não sabemos nós, da máquina que move a História, classificar de bons ou maus, fizeram que os territórios do Norte viessem a integrar o que, depois de séculos de mudanças, é hoje a Espanha. O Sul para o sul veio avançando, se estabeleceu em trechos da Lusitânia, também aceitaremos, até o Tejo, daí tomou as planícies de além-rio e só parou, por uns tempos, porquanto lá se lançou depois de navegar, quando se sentiu também mediterrâneo. É evidente que tudo que se pudesse passar de político, juridicamente político, para a volta ao início é do domínio de dois Estados soberanos, e só Lisboa e só Madrid teriam autoridade para tais modificações, não pensando eu, por outro lado, que fosse certo corrigir traçados de fronteira, ou até suprimi-la, como alguns chegaram a propor, de um lado e outro, a meu ver com excelentes intenções - talvez as tais de que está cheio o inferno na determinada teologia do Povo -, mas sem futuro algum. O que há, portanto, a fazer é só no campo cultural e o ideal seria aí uma unidade, sempre desejando e sempre admitindo variedades, do Noroeste da Península, marcando-a desde a Corunha e sua Torre de Hércules e desde Ribadeo até o Douro, meu rio nativo, com toda a largura que vai do Atlântico às Astúrias e, sobre o Sul, a Leão-Castela. É bom, além de tudo, que a língua comum se encontre em dois estádios e assim se conserve, sem artificialismos de junção, com a Galiza a fazer-nos saudades das poéticas e práticas flores de Dom Dinis. Só quando tudo for assim estará Portugal pronto para sua nova linha de partida. No estímulo e na guarda de Santiago Apóstolo, miticamente o abraçando.
("Carta Vária", 7.04.87)

Não é possível mais, daqui por diante, um afastamento de Portugal dos outros povos da Ibéria peninsular, da mesma forma como isso aconteceu da outra vez.
É evidente ter de manter cada povo a sua individualidade, cada país ou cada estado tem de ser muito bem definido e muito bem limitado, mas torna-se completamente impossível praticar, entre as culturas, os divórcios havidos na História de Portugal até agora.
Temos de entender todas as culturas da Península e teremos de compreender todas as culturas desses povos, a partir daqui a entrarem numa obra conjunta.
(entrevista, 1986)

Costumo insistir em três pontos que me parecem essenciais na história da cultura portuguesa. É o primeiro o do Culto Popular do Espírito Santo, o segundo o do pensamento messiânico do Padre António Vieira, o terceiro o da heteronímia do Poeta Fernando Pessoa.
Assinala-se a existência do Culto com a vinda da Princesa Isabel a casar com El-Rei Dom Dinis.
Caracteriza-se o segundo pela concepção do Quinto Império.
É o terceiro bem conhecido pelo que escreveram Álvaro de Campos, Ricardo Reis ou Alberto Caeiro.
Curiosamente, são os três de algum modo peninsulares: era Isabel, depois santificada, do Reino de Aragão; militou Vieira na Companhia de Jesus de Santo Inácio de Loiola; teve Pessoa ascendência galega, aí como Camões.
(texto de 1985)

Antes de 1974, visitei muitas vezes a Galiza, aprofundei o meu conhecimento da história e da cultura galegas, o que fortaleceu uma ideia minha de que devemos repensar a fundação de Portugal. Não no sentido de buscar informação nova ou de propor interpretações diferentes, mas para questionar o que se poderá chamar os erros da história de Portugal.(...)
Tenho a ideia estranha de que se está em vésperas (no sentido de algo que pode acontecer agora ou daqui a mil anos) de uma nova expansão, muito mais interessante do que a anterior, porque vai ser feita com a companhia de Espanha. Uma expansão de cultura, não estritamente portuguesa mas peninsular, abolido o tratado de Tordesilhas, que se não fará, como a primeira, pelo comércio, ou pela introdução de formas ou linguagens religiosas em vez de religião.
(entrevista,1985)

A única região que já é ibérica do futuro é a Galiza. Exactamente porque é uma região de língua e de cultura fortemente Minhota, se não quisermos dizer Portuguesa, de herança Celta, se quisermos ir para alguma adivinhação pré-histórica; e ao mesmo tempo, pela paixão de Isabel, a Católica, pela Galiza, é uma região que também apanhou muita coisa da cultura que poderíamos chamar Espanhola, predominantemente Castelhana. De maneira que, se olharmos a Galiza, ela poderá ser o ponto da Península em que já duas culturas se entendem e, poderíamos dizer, começam a ter alguma mestiçagem. O que tem um aspecto curioso, quando muitos escritores ou intelectuais Galegos acham que seria muito interessante que o Galego se fosse aproximando do Português - pelo menos o falado, se isso for possível, e o escrito, sobretudo por causa da área que vai ser abrangida pela Língua Portuguesa; que deixa hoje de ser portuguesa para ser uma língua galaico-luso-afro-brasileira...
(entrevista, 1986)

Do rectângulo da Europa passámos para algo totalmente diferente. Agora Portugal é todo o território de língua portuguesa. Os brasileiros lhe poderão chamar Brasil e os moçambicanos lhe poderão chamar Moçambique. É uma Pátria estendida a todos os homens, aquilo a que Fernando Pessoa julgou ser a sua Pátria: a língua portuguesa. Agora é essa a Pátria de todos nós.
Quando se diz ter Portugal de fazer alguma coisa, o que tem de ser feito sê-lo-à por todos os homens de língua portuguesa. A missão de Portugal, agora, se de missão poderemos falar, não é a mesma do pequeno Portugal, quando tinha apenas um milhão de habitantes, que se lançou ao Mundo e o descobriu todo, mas a missão de todos quantos falam a língua portuguesa. Todos estes povos têm de cumprir uma missão extremamente importante no Mundo.
(entrevista, 1986)

A Nação Portuguesa poderá desmentir todos os que a consideram falida, orientar a Península e conseguir que a dita Península seja o apoio de todos os Povos e de todos os homens que apenas se querem cumprir e se não resignam a morrer sem ter plenamente vivido.(...)
Não há uma só Península Ibérica, mas duas, sendo a outra a mal denominada América Latina...
("Carta Vária", 5.02.87)

O entendimento fecundo com a Espanha seria uma grande condição da nova expansão portuguesa.
(entrevista, 1985)

Portugal - hoje maior do que nunca porque tendo largado escravos a Irmãos ganhou, os do Brasil e os da África e os da Ásia -, se salvará de todos os desastres por sua boa estrela, seguro de ressurreição, mesmo que morte haja; capitaneará uma Península de Nações, Finisterra de um mundo que se acaba lançada para o mundo que começa; incluirá uma Europa, que apodrece em seus mesquinhos interesses, na vasta, poderosa corrente de pensamento e de acção que dele tem de brotar; e fará do conjunto dos Povos que às Línguas da Ibéria usam, por nascimento ou adopção, a força capaz de ultrapassar todos os antagonismos de Leste e Oeste ou de Norte e Sul, mostrando que a Humanidade é uma, como outrora mostrou ser uno o Mar; e, mais além, que transcendência e imanência, juntas, o Uno são.
(texto de 1981)

Só os Povos Ibéricos, a toda a volta do mundo, lhe poderão, a ele mundo, dar mundo novo; mas entende-se, naturalmente, que portugueses prefiram que o arranque venha de Lisboa, ou Brasília ou Luanda; ou até de Compostela, separada Irmã, que, de farol da unidade cultural europeia, passaria a farol da unidade de cultura universal.
(texto de 1980)