26 de mar. de 2020

A NOVA ORDEM MUNDIAL DÁ POSITIVO POR CORONA-VÍRUS
















Nas redes sociais do mundo inteiro, surgem cada vez mais
vídeos e mensagens “agradecendo” ao Corona-vírus a sua
ação devastadora do mundo e a suposta abertura de
portas para uma Nova Ordem Mundial.

Agradecer a um vírus que está a dizimar o planeta e a
matar milhares de pessoas em todo o mundo,
romantizando um processo de enorme sofrimento global,
implica uma grande responsabilidade e, sobretudo, uma
consciência plena do que se está a passar.

No entanto, para lá de evidências óbvias sobre o clima e o
planeta, que já haviam sido apropriadas por algumas
linhas políticas e que, portanto, nada contêm de novo,
são poucas e nebulosas as explicações sobre o que será
essa Nova Ordem e como se instalará no mundo. Na
verdade, poderá tratar-se de uma outra coisa: a Velha
Ordem que se não dá por vencida e que tenta
desesperadamente travestir-se de “Nova”, usando todos
os meios para se manter e, até, expandir o seu poder.

Nessa Velha Ordem se englobam todos os regimes
políticos, abrangendo o espectro de linhas ideológicas, os
diversos credos e religiões, as concepções económicas e
tipos de sociedade conhecidos, enquadrados por uma
“elite” que governa o mundo na sombra, por cima dos
sistemas e dos países, que vai utilizando como braços,
conforme as situações.

Poderá ter sido isso mesmo o que se passou com o
surgimento deste vírus na China, o melhor exemplo dos
regimes totalitários ultrapassados pela História e que
teimam em se manter pelo medo e pela força.

Tenha sido uma reação da Natureza, um acidente no
laboratório virológico de Wuhan ou uma ação deliberada,
esta estirpe de Corona surgiu quando os protestos em
Hong Kong – o centro fiduciário por excelência da Ásia –
começavam a incomodar e se poderiam alastrar a toda a
China, renovando Tiananmen e saltando para o
continente inteiro; paralelamente, também se arrastava
um duro enfrentamento comercial com os EUA, a disputa
sem tréguas pelo 5G e, consequentemente, uma batalha
surda pelo espaço.

Ninguém, a não ser os membros mais elevados do
governo e do Partido Comunista Chinês poderão
esclarecer porque esconderam este vírus durante meses,
o que sucedeu realmente ao médico que o denunciou e
que, supostamente, acabou como uma das vítimas, e
também aos jornalistas que investigaram o caso e de
quem nunca mais se ouviu falar.

Por isso são legítimas todas as perguntas: O vírus terá
sido, de fato, um ato da Natureza, como muitos
investigadores afirmam? Poderia ser uma arma de guerra
fabricada que, fortuitamente, se soltou? Ou foi criminosa
e deliberadamente lançado? ... Impossível responder,
mas a verdade é que a sua expansão permitiu um
controle muito mais apertado dos cidadãos, na própria
China e, depois de saltar fronteiras, todas as outras
questões passaram a segundo plano.

E agora aí estamos, com o vírus a propagar-se
incontroladamente pelo mundo, o poder mediático
(orquestrado?) a espalhar o terror, a Organização
Mundial de Saúde titubeante e as economias dos países a
caírem estrondosamente, uma por uma.

Mas, a existir um plano, penso que o objetivo final não
poderia ser outro: despedaçar totalmente as estruturas
económicas e sociais do planeta para, depois, surgir uma
solução milagrosa provinda de onde se precipitou o
processo. Neste caso, da China...

Claro que essa solução implicaria ingerência nos governos
dos países, cortes sucessivos nas liberdades dos cidadãos
e um controle cada vez mais acentuado dos seus
movimentos, para garantir maior segurança. E
evidentemente, uma dependência crescente de um poder
central global – o que significa, com todas as letras, a
instauração de uma gigantesca ditadura mundial.

Tudo isto são teorias e conjeturas que alguns classificam
de “conspiracionistas” e que mais parecem o argumento
de um filme de terror. Se as exponho é porque me parece
que os alertas são absolutamente necessários, tal como
sucede no caso do vírus, em que a prevenção tem sido
essencial para o conter.

O perigo dos sobreviventes se transformarem, afinal, em
mortos-vivos, leia-se “escravos” do futuro sistema
totalitário mundial é um desenho que, cada vez mais,
acentua os seus traços sinistros. Veja-se, por exemplo, o
controle absoluto dos cidadãos pelo simples telemóvel,
que já existe na China, e que poderá evoluir para um
“chip” implantado, como sucede com os animais.
Evidentemente, tudo em nome de uma maior segurança.

Nesse cenário global de pré- “V for Vendetta” (um
conhecido filme sobre a ascensão de um regime social
fascista em Inglaterra), as máscaras que hoje protegem
do vírus rapidamente se transformariam em mordaças e a
maior parte dos sobreviventes, esgotados, mas
profundamente aliviados, ainda encontraria forças para
aplaudir!

Mais uma vez: para agradecer ao Corona-vírus será
preciso deter um máximo de atenção e consciência do
desenrolar do processo, porque só assim será possível
transformar uma situação de catástrofe numa
extraordinária oportunidade de mudança, fazendo ruir
por completo a agenda do totalitarismo expansionista e
das elites obscuras.

Então, perante todas as hipóteses colocadas para o
surgimento do vírus, incluindo a da Natureza, haverá que
fazer uma pausa e tentar perceber aquilo que
enfrentamos; contudo, creio que a reação correta será
invariavelmente a mesma, seja qual for o caso.

Acredito que, contrabalançando os poderes sombrios,
também existe uma grande força em favor da
Humanidade: não um exército celeste para lutar ao seu
lado, como n’ “O Senhor dos Anéis”, mas a constatação
da componente divina que cada ser humano possui
dentro de si mesmo. Trata-se de uma questão íntima,
interna, que nada tem a ver com rituais, cerimónias e
religiões, e é a maior conquista que esta crise poderá
proporcionar.

Na verdade, a situação de convivência diária com a morte
deixou os seres humanos num estado de choque, mas
poderá ter aberto um espaço interior de reflexão e de
percepção profunda do mundo e da vida. Pela primeira
vez, no caso de muitos, se questionarão valores e
objetivos, distinguindo entre os que perduram e os que
pareciam fundamentais ontem e hoje não têm,
importância alguma.  Ou seja, ao haver colocado todas as
sociedades e organizações humanas de rastos, o vírus
favoreceu enormemente a descoberta da interioridade
em cada um de nós. Poderá ter sido uma oportunidade
criada pelos piores motivos, mas abriu a porta ao que de
melhor a humanidade poderá conter e realizar.

Encontramo-nos, portanto, perante uma oportunidade
única, que tanto nos poderá fazer sucumbir ao medo
como nos tornar capazes de o varrer por completo,
ateando a luz da Consciência, distinguindo a verdadeira
Liberdade e constatando que o fato de lutarmos pelo
planeta é porque nós, Humanidade, e a Terra, somos UM.

Simultaneamente, poderemos perceber, também, que se
aproxima, inexoravelmente, um Novo Ciclo da História e
que todos estes eventos e ataques desesperados mais
não são do que estertores da Velha Ordem, que sabe
estar próxima do fim e reage, provocando o maior dano
possível.

Creio que o Novo Ciclo estará solidamente assente na
Consciência e na Liberdade, condições para que flua a
energia do Amor. As relações entre os povos não mais
dependerão de interesses egoístas e do poder
político/militar, mas serão laços fraternos de
Espiritualidade e de Cultura, em perfeita harmonia com a
Natureza. Essa suposta utopia poderá, desde já, ser
vislumbrada de dentro para fora e, por isso mesmo, ser
fortemente almejada. Acredito que somente assim a
Velha Ordem poderá sucumbir, vítima (se foi o caso) do
seu próprio vírus. Mas o mais importante é que essa
queda mortal deixará à vista de toda a humanidade
caminhos novos, que nada nem ninguém,
nenhuma elite, regime político ou religião, poderão
controlar ou anular.


E então, sim, teremos muito que agradecer ao Corona-vírus!









24 de fev. de 2020

A HORA DOS PONTÍFICES


















                         “E nunca acordo deste sonho e nunca durmo. “

                                          Sophia de Mello Breyner Andresen








No passado prodigioso dos portugueses, tudo fazia parte
da Missão Lusíada.

Depois da etapa cumprida com a fundação incomum da
nacionalidade, a epopeia dos Descobrimentos trouxe uma
primeira mundividência à humanidade, fazendo com que
os mares, ao invés de separar, unissem entre si os
continentes e os homens, refazendo todos os mapas e
abrindo novos caminhos materiais e espirituais.

Sobriamente, aquelas primeiras “pontes” sobre os
oceanos não só expandiram e trocaram culturas entre si,
com todos os benefícios civilizacionais mútuos, como
alargaram à escala do planeta a possibilidade espiritual de
uma fraternidade futura, indispensável para servir de
base ao Império do Espírito Santo, por mais longínquo
que estivesse no tempo.

Esse seria o grande objetivo da Missão Lusíada.

No entanto, pouco depois de oferecerem aquela nova
cosmovisão à humanidade, os portugueses acabaram por
desviar para si mesmos o olhar que antes se dirigia ao
infinito, personalizando interesses e propósitos e, desse
modo, comprometendo a Missão universalista que
haviam assumido. E que acabaram por esquecer.

Era este o sentir de um Camões desiludido, que, ainda
antes de Alcácer Quibir, voltava à Pátria e não a
reconhecia:

"No’ mais, Musa, no’ mais, que a lira tenho
Destemperada e a voz enrouquecida,
E não do canto, mas de ver que venho
Cantar a gente surda e endurecida! ...

O favor com que mais se acende o engenho,
Não no dá a Pátria, não, que está metida
No gosto da cobiça e na rudeza
Duma austera, apagada e vil tristeza."

Estas palavras arrepiantes ainda hoje fazem sentido,
porque o olhar dos portugueses não mais voltou a fixar-se
no infinito e, consequentemente, a Missão Lusíada foi
varrida do empenho e do comprometimento nacional,
engolida no torvelinho dos novos interesses, dominantes
de então para cá; no entanto, por muitos efeitos e
dividendos que aportem, não conseguem extirpar a
“austera, apagada e vil tristeza” que misteriosamente os
acompanha.

Quanto a mim, a verdadeira fatalidade da nossa Pátria
não foi o desastre de Alcácer Quibir, que acabou com a
dinastia de Avis e com a independência de Portugal
durante sessenta anos; não foram, tampouco, as invasões
napoleónicas, ocorridas dois séculos depois, nem, mais
recentemente, a ditadura de Salazar e a tragédia da
guerra colonial... Muito pior, mais profundo e
contundente que todos os outros, foi o golpe sinistro
dirigido à Alma da nação, eliminando a Missão Lusíada e
deixando os portugueses sem memória.

Fernando Pessoa ao desvelar a identidade do Encoberto
como o Cristo cumprindo a Segunda Vinda, anunciada e
descrita por S. João no Livro do Apocalipse, tornou
também claro quais as forças que se opunham à Missão
Lusíada e à instauração do Quinto Império:
evidentemente, as do “anti- Cristo”, também ali
enunciadas. São forças supinamente inteligentes, que
pretendem fazer crer que não existem, que são mera
fantasia e que, como tal, não precisam ser combatidas;
atuam sobre o lado emocional e mental dos seres
humanos, estabelecendo como principal objetivo o
intelecto, do qual se apoderam e, subtilmente,
manipulam.

Devo esclarecer que a mente humana é um instrumento
precioso, aperfeiçoado durante milhões de anos e
extremamente útil no caminho evolutivo da humanidade.
Mas quando, sob a influência daquelas forças, passa de
instrumento a “instrumentalizadora” e se faz identidade
última do ser, torna-se no principal obstáculo do caminho
espiritual, pois oculta e interdita o caminho para o que é
realmente divino: Alma e Espírito.

No seu tempo, espraiando-se ainda pelo presente,
Fernando Pessoa tentou despertar a consciência perdida,
utilizando a poesia como ponte para a Alma.
 Não é de admirar que a principal oposição às
suas propostas tenha vindo da mente dos portugueses. A
sua qualidade poética foi intelectualmente celebrada e
reconhecida, mas o conteúdo foi admitido apenas como
“liberdade poética”, esbarrando, logo após, num muro de
racionalidade impenetrável. Portanto, tudo o que o genial
poeta conseguiu fazer foi deixar uma “Mensagem”,
recordando aos portugueses quem eram e o que deles se
esperava, mas as suas palavras não encontraram eco
significativo num país que cada vez mais se afundava no
nevoeiro.

E na degradação do sagrado.

Nos nossos dias, Sophia de Mello Breyner Andresen
utilizou igualmente a poesia para descrever a letalidade
do tempo presente:

“Este é o tempo
Da selva mais obscura
Até o ar azul se tornou grades
E a luz do sol se tornou impura

Esta é a noite
Densa de chacais
Pesada de amargura
Este é o tempo em que os homens renunciam. “

Mas mesmo quando os homens renunciam, a chama do
Espírito que levam dentro não se extingue; poderá estar
encerrada no mais fundo do ser, sob capas sucessivas do
mais compacto concretismo, mas, mesmo assim, brilha e
nenhum poder conseguirá apagá-la – poderá ignorá-la,
aprisioná-la, esquecê-la ou repudiá-la, mas nunca apagá-la.

Ora o que sucede no plano humano, sucede igualmente
ao nível da nação: o Espírito português poderá ter sido
ignorado, esquecido, debilitado, repudiado... mas a sua
chama ilumina o abismo em que o colocaram! E para a
recuperar, recuperando igualmente a Missão Lusíada, só
poderão ser, de novo, os portugueses a quererem travar
e vencer essa demanda; individual ou solitariamente,
passo a passo ou combate a combate, porque a nação se
encontra voltada para outros destinos e confinada a
outros valores.

Disse Fernando Pessoa:

“As nações todas são mistérios
Cada uma é todo o mundo a sós. “

Aqueles que, agora, tomarem para si o confronto terão
que ser “todo o mundo a sós” para, um dia, serem de
novo nação e sementes de uma nova humanidade.

Não haverá muitos, porque o Corpo da nação foi
contaminado e a sua desintoxicação será lenta. Mas esses
poucos atuarão em nome de todos os outros, como
sucedia com cada nau que partia à Descoberta e que
consigo levava Portugal inteiro; não se trata, pois, de uma
questão de número – aliás, os discípulos do Cristo eram
somente doze, assim como os Cavaleiros da Távola
Redonda, e Gandhi enfrentou sozinho o Império
britânico.

Mais uma vez, o campo de batalha será a mente, que
resiste ferozmente a deixar o homem descobrir que há
outros mundos de consciência e de criatividade para além
dela. Mas recordo que todas as coisas verdadeiramente
importantes como o amor, a beleza ou a alegria, surgem
de planos acima, pois provêm daquele estado de Ser ou
condição “Eu Sou”, que é a verdadeira natureza de cada
um, o seu Eu profundo, eterno e omnipresente.

A mente aplica todo o seu poder em ocultar esta verdade
libertadora, distraindo-nos com o ruído contínuo dos
pensamentos que esgotam a força vital, a fim de
prosseguir, sem qualquer oposição, no comando da vida
de cada um. E o drama é esse mesmo: não só vamos na
finta, como nos identificamos em absoluto com o intelecto,
que nos diz que somos o que pensamos e que nada mais
existe.

Eckhart Tolle escreveu, muito apropriadamente, que “o
filósofo Descartes julgou haver encontrado a verdade
fundamental quando enunciou o seu famoso aforismo:
“Penso, logo existo. ” De fato, expressou o erro mais
básico: equiparar o pensamento com o Ser e a identidade
com o pensar.”

E aclara: “a mente é um instrumento
soberbo se for usada corretamente; no entanto, se a
usarmos de forma incorreta, torna-se destrutiva. Melhor
dizendo, não se trata tanto da utilização errada da mente
– geralmente, não a usamos, mas é ela que nos usa a nós:
essa é a doença. Acreditamos que somos a nossa mente:
esse é o engano. O instrumento apoderou-se de nós. “

Foi o que sucedeu aos portugueses, que passaram de
descobridores de mundos a vagarem sem rumo por um
outro mar de insalubre nevoeiro, onde desapareceu a
Missão Lusíada. Mas agora entrámos já num outro
tempo, em que as portas de um novo ciclo da história do
mundo terão que ser abertas pelos “encarregados” de tal
Missão: os Lusíadas.

“E eu tenho de partir para saber
Quem sou, para saber qual é o nome
Do profundo existir que me consome
Neste país de névoa e de não ser.”

Estas outras palavras de Sophia espelham o sentimento
de angústia e o apelo à descoberta que levou aqueles
poucos portugueses, mesmo sem muita consciência do
ato, a recomeçarem a olhar para dentro de si mesmos e a
descobrirem caminhos internos que lhes haviam
garantido que não existiam. Conforme sigam ou não
esses caminhos e o processo a eles associado (porque o
esforço de formação e transformação terá que ser
sempre do próprio e a consciência somente será dada a
quem, por si mesmo, a alcançou...), poderão auto
converter-se numa espécie de “guerreiros do Espírito
Santo” e serem eles os pioneiros que vão resgatar o
Espírito de Portugal e retomar a Missão Lusíada.

Ao assumi-lo, poderão também testemunhar que, afinal,
o Quinto Império, o sebastianismo espiritual e a
manifestação do Cristo Encoberto não são utopias ou
sonhos fictícios e enganosos, mas correspondem ao
objetivo mais profundo e verdadeiro do “projeto
espiritual” que fez nascer o nosso país. E mais: que foram
mentes, essas sim, obscuramente dirigidas, que criaram o
nevoeiro que ainda hoje envolve Portugal.


                                      ***

Muito significativamente, desde que Portugal foi
constituído como nação, que os portugueses atribuíram a
São Miguel Arcanjo a essência espiritual que os guia e
protege. Na lenda lusitana do milagre de Ourique, foi o
Arcanjo Miguel, ladeando a figura do próprio Cristo, que
anunciou a Afonso Henriques a vitória sobre os
muçulmanos, viabilizando, desse modo, a formação do
reino de Portugal. Ora, segundo o Livro do Apocalipse,
Miguel é o chefe dos exércitos celestes que, na batalha
final, derrotam as forças do “anti-Cristo”, também
nomeadas no Livro como sendo as de Satã, liderando os
anjos rebeldes.

Ao ser Custódio do Reino, São Miguel Arcanjo representa
o seu Espírito, estimulando a Alma que animou a Missão
Lusíada e vivificou o Corpo da nação, de onde saíram os
cavaleiros que fundaram Portugal e os navegadores que
levaram o seu estandarte pelos mares fora...

Esta trindade original – Corpo, Alma Espírito – foi
seriamente comprometida pelos padrões racionalistas: o
Espírito ficou isolado e bloqueado pelo assédio constante
das mentes positivistas, ficando separado da Alma e do
Corpo; a Alma, perdendo a ligação com o Espirito,
igualmente se perdeu na mesma voragem, enquanto o
Corpo, sem ânimo e sem propósito, se tornou vagante e
ineficaz, deambulando pelo nevoeiro.

E todo o processo ficou desfeito.

No entanto, porque a demanda em questão, mais do que
portuguesa, é universal e se aproximavam tempos de
mudança, tornava-se imperiosa uma estratégia que
restabelecesse a trindade geratriz e motora do processo.
Suponho que, nas condições atuais, só haveria uma coisa
a fazer: despertar o tal punhado de “guerreiros” que
rompessem o bloqueio e reatassem a ligação com o
Espírito condutor e, simultaneamente, procurar uma
Alma gémea e um Corpo compatível, substituindo os
ausentes.

Mas quem sabe se essas supostas alterações não
estariam já contempladas no “plano original”? ...

De acordo com a nova “estratégia lusíada”, a Alma gémea
que se encontrava há muito preparada para refazer
aquela unidade chama-se Galiza; ou seja, não
propriamente a Galiza visível, mas aquele “estado ou
qualidade do ser” que tem por exterior a Galiza e com
quem Portugal partilhou o berço. As duas nações
compartilharam a mesma energia e inúmeras vezes foi
tentado retomar a unidade que, internamente, nunca se
perdeu. De ambos os lados da fronteira continua a
utilizar-se a palavra “saudade”, como que lamentando
não haver uma correspondência física daquela comunhão
espiritual e no mítico castelo de Guimarães foi colocada
uma placa de homenagem à cultura luso-galaica, com
citações de dois expoentes daquela cultura – uma de
Fernando Pessoa: “A minha Pátria é a Língua Portuguesa”
e outra do galego Alfonso Castelao: “A nossa Língua
floresce em Portugal. “

Claro que se trata de uma comunhão espiritual, da qual
se não devem retirar dividendos políticos, pois o que está
em causa é a busca da Alma gémea e uma atuação a esse
mesmo nível.

Quanto ao novo Corpo, tenho para mim que será o do
Brasil, ou por outra, aquilo que o Brasil
etereamente alberga: a pujança e a vitalidade de um
mundo novo, ainda em pleno processo de criação, com as
“doenças infantis” inerentes à sua condição, mas onde
tudo ainda poderá ser feito e naturalmente acontecer, de
acordo com a Providência divina, isto é, sem adulterar o
“plano original” como ocorreu com Portugal e, afinal, com
a Europa, que se tornaram sinónimos do velho mundo.

Ou, melhor dizendo, da velha Europa, mas com uma
  contribuição inigualável na história do Homem e da
Civilização, de que ainda é índice e suporte. No entanto,
creio que estamos à beira de um tempo absolutamente
novo e que necessita de novos suportes vitais; um tempo,
enfim, em que, no caso lusitano, o velho Portugal consiga
passar o testemunho a si próprio, mas num corpo
renovado pois, como disse Agostinho da Silva, “o Brasil é
Portugal, não irmão ou filho de Portugal, mas Portugal
mesmo. “

Acrescentaria eu que o Brasil é aquele Portugal que não
chegou completamente a ser, mas que, deste outro
modo, será...

Curiosamente, Portugal, Galiza e Brasil passam,
atualmente, por problemas graves, todos relacionados
com a sua identidade: Portugal, como já descrevi, perdeu-se no nevoeiro,
virou a proa à Europa e, prontamente, encalhou. Para cúmulo, esqueceu-se
ou, muito pior, renunciou a quem era, à sua verdadeira identidade
espiritual; a Galiza faz parte de uma Espanha cuja unidade
territorial foi posta em causa com as pretensões
separatistas da Catalunha, e o Brasil ainda se não refez do
“terramoto” provocado pela corrupção ao mais alto nível,
enquanto a violência nas principais cidades atinge índices
de guerra civil.

Sobre o Brasil, adjunto o que pessoalmente constatei: a
grande maioria da população do Brasil, vítima maior
desta mal sana situação, possui, não obstante, uma
candura, uma alegria e uma jovialidade inabaláveis, que
lhe advêm de uma confiança ilimitada no divino,
totalmente aberta a todas as tendências. Essa pluralidade
franca e livre reflete-se numa convivência naturalmente
fraterna, impregnada de pureza e com a inocência de um
menino... E não é um Menino a figura central do Culto do
Império do Espírito Santo, que o povo brasileiro tomou
para si e que amorosamente abraça, preserva e defende?

A reconstituição da trindade lusíada – Corpo, Alma
Espírito – pressupõe a criação de uma Pátria metafísica
engrandecida, ainda que com as suas conformidades no
mundo e que, deste modo, também corresponde à da
“Língua Portuguesa”, como Fernando Pessoa dizia que
seria a sua. E a que Agostinho da Silva acrescentava: “Do
retângulo da Europa passámos para algo totalmente
diferente. Agora, Portugal é todo o território de língua
portuguesa. (…). Quando se diz ter Portugal de fazer
alguma coisa, o que tem de ser feito sê-lo-á por todos os
homens de língua portuguesa. ”

Aquela Pátria servirá de base ao Império do Espírito
Santo, pois este também pertencerá, um dia, a este
mundo. A um outro ciclo, mas a este mundo. Obviamente
que, quando surgir tal Império, todas as pátrias serão
apenas “identidades culturais” ou “estados de
consciência”, pois naquele mundo futuro não haverá mais
fronteiras a dividi-las.

A instauração daquela Pátria abstrata e transcendente,
com correspondência na face da Terra, poderá ocorrer
em simultâneo com a nossa própria restruturação
individual, pois ambos os trabalhos terão que partir de
uma base interna, profunda e espiritual.

Uma vez mais, trata-se de construir uma ponte por cima
dos precipícios criados pela mente concreta, para
conseguirmos chegar ao âmago de nós mesmos; dali,
levantaremos uma outra que nos conduza à génese da
nação portuguesa, de modo a podermos trazer para o
presente o que foi esquecido do passado, transportando
igualmente para o “aqui e agora” o futuro sonhado; todos
são partes constituintes de um modelo único e atemporal
que designamos como Império do Espírito Santo ou
Quinto Império.

Não importa se aquele Império se encontra perto ou a
milénios de distância, o que penso que mais conta, agora,
são as Novas Descobertas ou a construção de novas
pontes, já não ligando continentes na face da Terra, mas
sim dimensões ou planos internos, transmitindo uma
mundividência descrita de dentro para fora e uma nova
antropogénese. Portanto, esta já é, sem dúvida alguma, a
hora dos pontífices.

Assim sendo, poderemos mais facilmente visualizar o
acesso àquele modelo Quinto Imperial como o atravessar
de uma ponte mágica, que não liga um local a outro, mas
a Humanidade ao seu Destino. O plano dessa ponte é
português, os pilares levantados pela Galiza e o tabuleiro
ou pavimento construído pelo Brasil.

Ao conceber a questão deste modo, poderemos contatar diretamente
com as energias daqueles três vértices, podendo juntar às
nossas aquelas outras forças inteiramente “lusíadas”,
ainda que provenientes da América do Sul ou de uma
outra parte da Ibéria.

Por isso, esta também é a hora dos “novos Lusíadas”, que
serão todos aqueles que responderem ao apelo redentor
interno e se consagrarem à renovação e cumprimento
final da respetiva Missão.

Isto significa que poderão ser pessoas anónimas que se
reencontraram consigo próprias, no mais íntimo do seu
ser e colocaram em ordem o seu interior, convertendo-se,
desse modo, em guerreiros espirituais do presente,
tão impecáveis como os anteriores, reconhecendo em si
mesmos a vibração da Pátria Lusíada como base espiritual
e física para o advento do Império do Espirito Santo.

Acredito que sejam, fundamentalmente, portugueses,
brasileiros, galegos ou de outra zona da Ibéria... Mas
também poderão provir de qualquer outra parte do
mundo, pois o mais importante é a identidade espiritual,
o alinhamento com o propósito em causa, os valores do
coração e uma vontade plena.

E, evidentemente, que sejam exímios construtores de
pontes.

A ponte em questão será, obviamente, uma ponte de
consciência e, ao iniciarmos a travessia, poderemos,
desde logo, constatar um fato extraordinário: ainda que
haja múltiplas tarefas e caminhos a cumprir por fora (a
Missão Lusíada sempre deteve uma componente
pragmática na face da Terra), tudo se resolverá, primeiro,
pelo lado de dentro, sob a direção do “Eu maior” de cada
um. Deste modo, cada um será o Sumo Pontífice de si
próprio e ninguém terá que seguir ninguém, nem
depender de messias ou gurus, de religiões ou de
hierarquias, de grupos, seitas ou instituições, sejam quais
forem. Teremos apenas que nos alinhar conosco mesmos,
com aquele “Eu Sou” que somos deveras, para
distinguirmos o caminho e atravessar para o outro lado.

Na verdade, não se trata de nenhum processo novo, nem
de nenhum milagre ou forma de magia (embora o ato de
viver constitua, só por si, um milagre e a maior de todas
as magias...), mas apenas recordar o que foi esquecido,
reativando um conhecimento inerente a cada célula do
corpo. Também o mundo em redor poderá parecer o
mesmo, mas não é, nem nunca mais será o mesmo.

Estaremos a avançar decididamente sobre o tabuleiro da
ponte, por dentro de nós mesmos, deixando para trás
todos os medos, angústias e expectativas, e não importa
se conseguimos, desde logo, distinguir o vulto do
Cavaleiro Encoberto por entre o nevoeiro que ainda
envolve partes do caminho, ou as primícias do Império do
Espírito Santo a brilharem ao longe, na outra margem.

Porque, de súbito, estaremos lá.

E seremos tudo.






22 de jan. de 2020

ANSEIOS LUSITANOS
















   “Porque eu sou do tamanho do que vejo
     E não do tamanho da minha altura...”

                                           Alberto Caeiro









A instauração do Quinto Império no mundo, numa vindoura alvorada de névoa, é um Sonho português. Ou, melhor dizendo, um Sonho que foi entregue aos portugueses.


Tratando-se de um sonho, o importante não será explicá-lo e, muito menos, dissecá-lo e racionalizá-lo, mas, simplesmente, sonhá-lo. E, ao fazê-lo, perceberemos que se converte em algo muito mais real do que aquilo que chamamos de realidade.


O processo português encontra-se repleto de sonhos e de mitos sonhados que se transformam, misteriosa e hermeticamente, em verdades profundas, porque não se inscrevem na História factual, positivista, que conhecemos, mas em algo misterioso que a transcende. Então, em vez de História, poderemos chamar-lhe Fado[1] ou Destino.


“Desejo ser um criador de mitos, que é o mistério mais alto que pode obrar alguém da humanidade “[2], escreveu Fernando Pessoa, que também disse que “o mito é o nada que é tudo”[3], porque o método em questão trata de fazer real o que, aparentemente, é irreal, convertendo-se, assim, no motor do referido processo português.


Não tem a ver, portanto, com uma facticidade causal, demarcada no tempo e interpretada parcialmente, mas com uma História compreendida globalmente, isto é, como ideia ou projeto final. Ali, passado e presente não se separam e ainda se lhes junta um fabuloso “saque ao futuro”, todos irrompendo no “aqui e agora”, permitindo visualizar, em toda a sua dimensão, a génese, a atualidade e o corolário de um Destino que, neste caso, é o império do Espírito ou o Quinto Império.


Um filósofo indiano dos nossos dias, Sri Nisargadatta Maharaj diz que “é a ilusão do tempo que nos faz falar em causalidade. Quando o passado e o futuro se encontram no “agora” atemporal como partes de um modelo comum, a ideia de causa-efeito perde a validade e a liberdade criativa ocupa o seu lugar. “ [4] Mas atenção, esta “liberdade criativa” não significa falsidade histórica, muito pelo contrário, porque respeita à visão do espírito sobre o mundo real, que se situa muito para além da análise e das classificações da mente.


Somos o que não somos”, dizia Fernando Pessoa e tal afirmação integra-se na invenção bem portuguesa de “uma lógica paradoxal de estirpe heraclitiana onde o tudo e o nada são reversíveis e intercambiáveis. Fazer-se ausência, teatro-nada por onde se fazem presentes os ausentes, os que foram, os que não são e os que serão. (...) A excessividade portuguesa é, assim, uma excessividade do nada, um desejo voraz de ausência, aceitando o ser como uma grande ficção vazia, como um grande teatro vazio pelo que passam todos os que foram e serão, real ou imaginariamente. Por isso, o um e o múltiplo, identidade e alteridade se fazem indistinguíveis; por isso, o um e o absoluto, o indivíduo e o todo, se unem, e a despersonalização literária, a máscara trágica, encontra-se presente e redime. Tudo concernente a uma nova religiosidade pagã, a uma refundação mítica da existência ligada ao profetismo e ao messianismo. E tudo nascido de uma estirpe muito particular de idealismo, um idealismo saudoso, um desejo do impossível na terra, uma imposição da eternidade à vida. ” [5]


No século VI antes de Cristo, Heráclito de Éfeso[6] já falava de um mundo em mudança ou em perpétuo movimento, assumindo a unidade dos contrários e, desse modo, antecipando ou abrindo passo ao conceito de “somos o que não somos”, de Pessoa; a esse propósito, também Friedrich Nietzsche reconhecia que “Heráclito terá eternamente razão ao dizer que o ser é uma ficção vazia. O mundo “aparente” é o único; o mundo “verdadeiro” não é mais do que um acrescento mentiroso. “ [7]


A história do mundo está cheia destes “acrescentos”, ou é mesmo uma manta de retalhos por eles constituída e grande parte da humanidade, cansada do aparente e do efémero, vagueia, desconsolada e sem rumo pelo que considera o deserto da existência.


O método de aprendizagem utilizado pelas Ordens Iniciáticas, dividido por vários Graus, constitui um bom exemplo para se entender a relatividade material e temporal entre a interpretação dos chamados “factos históricos”, ou entre História e Destino. Naquela outra escala iniciática, uma verdade num Grau poderá ser o seu oposto num Grau superior, porque o entendimento, entretanto, se alargou e a visão sobre a mesma matéria ganhou uma outra perspectiva. Ou seja, através de várias “verdades e inverdades” relativas, se constrói um caminho de consciência em direção a uma verdade maior e cada vez mais autêntica, que também poderemos chamar de Destino. E acrescente-se que, do meu ponto de vista, essa Verdade/Destino também é, essencialmente, Poesia...


Sabemos, hoje, que Fernando Pessoa pertencia a uma Ordem Iniciática. Rompendo a sua reserva habitual em relação a esta matéria e como que pretendendo deixar esclarecida a sua posição, oito meses antes de morrer escreveu uma declaração em que se afirmava “Iniciado, por comunicação direta de Mestre a Discípulo, nos três graus menores da (aparentemente extinta) Ordem Templária de Portugal. ” Esta declaração foi escrita à mão, pelo próprio punho do poeta e por ele assinada, com a data de 30 de março de 1935.[8]


Também na epígrafe do seu poema “Eros e Psique ” [9] transcreve a seguinte passagem do Ritual de Mestre do Átrio na Ordem Templária de Portugal: “...E assim vedes, meu Irmão, que as verdades que vos foram dadas no Grau de Neófito, e aquelas que vos foram dadas no Grau de Adepto Menor, são, ainda que opostas, a mesma verdade. “


E igualmente suas são estas palavras: A iniciação maçónica — que é uma iniciação do primeiro nível — é dada através dos rituais e dos símbolos; os discursos que acompanham o ritual nada conferem. Uns são propositadamente simples e triviais, para que o candidato, se é apto e digno, se vire d'eles para a parte vital do grau; outros são propositadamente confusos e contraditórios, para que obriguem o candidato, se nele há alma iniciática, a meditar, escolher, e, por fim, achar. “ [10]


Digamos, então, que muitos textos sobre a História de Portugal, nomeadamente de Fernando Pessoa, a começar pela sua “Mensagem”, são, afinal, relatos iniciáticos, destinados a proporcionar, a quem possa ler para além da beleza e do génio poético-literário, uma visão de conjunto do Destino do povo português.


Tenho para mim que este sonho ou visão do Quinto Império corresponde ao vértice superior de um triângulo místico que representa a nossa mais profunda Identidade. Coloco na base, como suas Colunas ou suportes, dois movimentos ímpares, genuinamente portugueses: o Saudosismo e o Sebastianismo, intimamente relacionados entre si, pois, como dizia Pessoa, “o saudosismo está criando a base intelectual e moral ao sebastianismo, puramente popular. ” [11] Mais adiante, se desenvolverá o teor destes dois movimentos que conduzem ao Sonho quinto imperial.


Devo esclarecer que, embora o Sonho tenha sido entregue aos portugueses, que o transportam na alma, acredito que os outros povos ibéricos sejam, de algum modo, co-responsáveis pela sua realização no mundo. Aliás, creio firmemente que a Ibéria, toda ela, é um caso à parte da Europa, com um papel único e exclusivo a desempenhar na génese do Quinto Império, tal como explanarei mais tarde.


Deste modo, é muito gratificante verificar que outros autores ibéricos conhecem bem a alma lusitana e, à sua maneira, se alinham com ela. Creio ser o caso do filósofo e investigador espanhol Pablo Javier Pérez López[12] e do artigo denominado “Historia y Destino: el fatalismo como identidade nacional lusa”, já citado anteriormente, e onde confirma que “em poucos povos encontramos uma encarnação tão profunda do fatalismo como no povo português. Nele, o diálogo, aparentemente paradoxal entre mito e história, entre história e destino, entre liberdade e profecia, apresenta-se como um lugar propício para nos questionarmos sobre a facticidade do histórico e as perplexidades metafísicas que ali se ocultam. “ [13]


E ainda: “A imposição da eternidade à vida, o império do Espírito, a superação do tempo, são fios essenciais do tecido da alma portuguesa. A história compreendida como trans-história, superando as fronteiras entre passado, presente e futuro através da ontologia saudosa, e a proximidade entre lenda, narração, mito, epopeia e história, são chaves para uma abordagem ao fatalismo português e ao diálogo prodigioso entre história e destino, que nos é oferecido por este povo filho do mar, da loucura e da aliança com a morte. A aceitação da vida como tragédia e, por conseguinte, como literatura, converte a história numa narração viva enraizada na consciência de um povo que decidiu esquecer as fronteiras entre verdade e mentira, memória e esquecimento, ciência e poesia, história e mito, para aceitar o destino coletivo de sonhar desperto eternamente. “ [14]


No entanto, se há quem, por fora das nossas fronteiras, compreenda profundamente os meandros da génese imperial, dentro delas nem tudo fluiu do mesmo modo.
De fato, para os autores portugueses que se ativeram unicamente ao positivismo da História e àquilo que a mente concreta considera “realidade”, o Quinto Império e as suas bases saudosistas e sebastianistas, não representam sonho algum, mas sim um pesadelo tresloucado, alimentando a ilusão doentia de uns quantos desiquilibrados; isto é, para a dialética material racionalista, o fenómeno em causa assenta na mais deplorável irracionalidade.


                    “Uma expressão metafórica da persistência desesperante do reino da estupidez ”, foi como António Sérgio classificou o sebastianismo. Anteriormente, já outros autores ilustres, como Lúcio de Azevedo, se haviam referido à “mania mansa dos sebastianistas” [15], que colocavam no mesmo saco da “aberrante maluquice, peculiar de escassa data de alienados pacíficos”, como também lhe chamou Sampaio Bruno[16]. Recentemente, António da Costa Lobo refere o “desconcerto da razão, manifestado pela morbosa alucinação do sebastianismo.”[17] 


Enfim, muit    Enfim, muito mais haveria a dizer, mas, em síntese, penso que nenhum conseguiu ver o extraordinário golpe de asa proposto por Fernando Pessoa, separando e distinguindo o sebastianismo histórico-popular primário do sebastianismo espiritual, de que o anterior constituiu, apenas, “um esgar e assomo. “ 


Nessa interpretação que, para mim, coincide com o Sonho original, Fernando Pessoa desvela a figura do Encoberto, que não é outro senão o Cristo Redentor descrito pelo evangelista João no Apocalipse[18], e aclara o objetivo final da missão Lusíada, que consiste na preparação do mundo para aquela Segunda Vinda.


U              

Sempre me emociono quando leio na “Mensagem” [19] passagens como esta, escrita (e lida) com “os olhos rasos de água”:


 S                                      "Só te sentir e te pensar
     Meus dias vácuos enche e doura.
     Mas quando quererás voltar?
     Quando é o Rei? Quando é a Hora?

  Quando virás a ser o Cristo
  De a quem morreu o falso Deus,
  E a despertar do mal que existo
  A Nova Terra e os Novos Céus?

  Quando virás, ó Encoberto,
  Sonho das eras português,
  Tornar-me mais que o sopro incerto
  De um grande anseio que Deus fez?" 
[20]


Eduardo Lourenço ainda tenta explicar que “O Portugal-D.Sebastião de Pessoa é todo-o-mundo-e-ninguém, como ele, Pessoa-D.Sebastião, é ninguém-e-todo-o-mundo, um e outro a “eterna criança que há-de vir”, aquele que morre como particularidade nacional ou pessoal, para ser tudo em todos, exemplo de um mundo e de uma personalidade sem limites nem fim. Esse D. Sebastião-Pessoa não anuncia mais que um império cultural sem imperialismo de culturas nem de verdades, mero espaço de absoluta liberdade de cultuar as múltiplas e inconciliáveis “verdades”, que, na ausência definitiva de Deus, nos servem de simulacros plausíveis e implausíveis do verdadeiro. Assim, o que começou como um sonho de um império redivivo termina com Pessoa em império de sonho. “ [21]


No entanto, esta conclusão não me parece justa para o Sonho. Na verdade, creio, até, que tudo sucedeu ao invés, isto é, que foi o Sonho quem sonhou um Fernando Pessoa grandioso, para tornar universal o conceito e dar um novo e enorme alento a uma nação que, igualmente, foi criada para o realizar na face da Terra. Por isso, a este propósito, fico-me, também, com os versos de Sophia de Mello Breyner Andresen:


"Peço-te que sejas o presente.
Peço-te que inundes tudo.
E que o Teu reino antes do tempo venha
E se derrame sobre a terra
Em Primavera feroz precipitado."[22]


 É da ação dos portugueses, preparada no espaço peninsular em que se inserem, conjugando-se com os outros povos vizinhos e detendo como objetivo comum o surgimento daquela “Primavera” no mundo, sob a égide do Cristo Encoberto, que trata, essencialmente, este Evangelho da Ibéria.


                           *** 
                                      

Antes de me lançar nesta aventura da escrita, li e reli inúmeros trabalhos, ensaios e investigações acerca do Quinto Império e outras tantas teses sobre as suas componentes saudosistas e sebastianistas. Devo confessar a minha admiração por alguns autores e o meu distanciamento de outros, mas, de uma forma geral, penso que a alma portuguesa já foi suficientemente dissecada e psicanalisada e que, agora, aquilo que mais precisa é saltar do sofá e sentir de novo o salpicar das ondas, o sol e as estrelas a descartarem horizontes e o vento a segredar que a pátria portuguesa é um ser espiritual...


Concordo que o sebastianismo também poderá ser “a vida imaginária portuguesa quando o abismo entre a realidade do seu ser histórico e o seu destino ideal e moral nos aparece como intolerável. ” [23] Como, igualmente, refletir “a manifestação histórica, ao mesmo tempo positiva e negativa, da ruptura desse equilíbrio entre a vida real e imaginária, sintoma da desordem causado pela nostalgia da ordem. “ [24]  Mas, na verdade, de que adiantam esses e outros brilhantíssimos diagnósticos se não existir, depois, uma porta aberta para continuar o Caminho? Porque, a meu ver, o que está em causa, é um Caminho que continua por fazer e, ainda que comece sempre por dentro de cada um, poderá, também, ser concreto e tangível, como o foram as Descobertas do passado, que não ficaram encerradas em discussões palacianas nem se fizeram nos mapas, mas sim nos mares, explorando, corajosamente, o Desconhecido.


Claro que os referidos estudos nos poderão ajudar a conhecer melhor o processo, mas, por mais notáveis que sejam, não se movem a si mesmos do mesmo lugar nem promovem quaisquer outras Descobertas porque, muito simplesmente, não entram nas suas cogitações. Em última análise, são construções mentais e a mente não é o guia mais aconselhável nesta questão do Sonho espiritual, porque atua em função de si mesma e do seu racionalismo impiedoso, não reconhecendo qualquer outro tipo de percepção. Portanto, a mente só poderá pronunciar-se com argumentos mentais e chegar a conclusões mentais, quando o cerne desta questão fundamental se encontra muito para além do plano mental.


A Sabedoria Tradicional, ainda rejeitada pelo Ocidente, mas que integra a cultura do Oriente há milhares de anos, afirma que o Homem possui uma constituição sétupla, ou composta por sete planos sobrepostos, como as várias camadas de uma cebola. Na base, encontra-se o corpo físico envolvido pelo etérico, fonte da vitalidade; num plano acima, a componente astral, sede das emoções e sentimentos mais comuns, seguida pelo mental concreto, ou aquela zona que identificamos como “mente”. Estas quatro primeiras camadas definem a personalidade, ligada ao triângulo de cima, que estabelece a individualidade do ser. No primeiro vértice da base, está a faixa a que os indianos chamam “Manas” ou “uma outra mente num plano superior” e que, correntemente, é ignorada pela soberba da anterior. No seguinte encontra-se “Buddhi”, sede do que chamamos Intuição e onde se situa aquele estado que chamamos de Coração (não o órgão físico, evidentemente, mas todos aqueles Sentimentos superiores e mais nobres do ser) e, finalmente, no plano mais elevado de todos, “Atman”, o espírito puro.


Por aqui se tem uma ideia clara de onde os orientais situam a mente – no meio da escala –, a mesma mente que os ocidentais, deslumbrados pelas suas façanhas intelectuais, colocam no topo.


Swami Chidananda, um renomado iogue e autor de vários livros, diz que “a vida é mais do que um mero processo físico e biológico, ou a sucessão de estados mental-intelectuais e suas atividades. A vida é o desenvolvimento e a manifestação da Realidade interior, o despertar e experiência do verdadeiro “Eu”. Isso é VIDA. Tudo o mais é mera sombra, uma pálida imitação, uma insípida anomalia de vida. “ [25] E a sua opinião concorda com a de muitos outros autores, apontando a mente incontrolada como o principal obstáculo no caminho para a divindade. [26]


Sri Nisargadatta, já citado anteriormente, afirma que “a mente, pela sua própria natureza, limita, divide e opõe. Para encontrar a outra mente (Manas[27]), haverá que pôr fim ao processo mental, tal como o conhecemos. Quando este termina, nasce aquela mente inclusiva (Manas ligada a Buddhi[28]). Essa outra é amor em ação, batalhando contra as circunstâncias, inicialmente frustrado, mas finalmente vitorioso. Entre o espirito e o corpo, é o amor que proporciona a ponte. A mente cria o abismo, o coração atravessa-o. “


E ainda: “A mente acontece-me a mim, eu não aconteço à mente. E uma vez que o tempo e o espaço estão na mente, eu sou mais além do tempo e do espaço, eterno e omnipresente. A fonte da consciência não pode ser um objeto na consciência. Conhecer a fonte é ser a fonte, reconhecer-se como o próprio ser e tornar-se, assim, na Possibilidade Inesgotável. “ [29]


Creio que somente essa Possibilidade dará resposta aos anseios lusitanos de longa data, que muitos trazemos por dentro. De novo recorro aos versos de Sophia:


"Que adeus é este adeus que me despede
E este pedido sem fim que o vento perde
E esta voz que implora, implora sempre
Sem que ninguém lhe tenha respondido?..."[30]


A resposta terá sempre que vir de dentro e começará quando formos, realmente, aquela fonte e encararmos o inesperado, vivermos o imprevisível...


 Tudo isso num primeiro assomo e arrepio de Liberdade!


Só então poderemos contatar com a nossa própria Tradição e retomar a senda dos mistérios do Cristo Encoberto e do Quinto Império, ultrapassando os abismos criados pela mente. Então, o Sonho se transformará num Caminho[31] essencialmente interno, mas que poderá deter uma vertente externa, pois o Quinto Império, na sua componente temporal, necessitará de estruturas na face da Terra[32]; no entanto, aquele Caminho, que logo reconheceremos como profundamente verdadeiro, não será isento de estorvos e dificuldades de toda a ordem, pois as várias oposições ali estarão, também, a cumprir o seu papel. Implacavelmente.


Sendo assim, para podermos responder aos nossos mais profundos anseios e colaborar na missão Lusíada, teremos, antes de tudo, que ser senhores de nós mesmos, completos e conscientes, contando com todos os nossos instrumentos de percepção, mente concreta incluída; uma mente regenerada e purificada, limpa da sobranceria e da obstaculização dos outros planos, trabalhando ao seu nível como o utensílio precioso que realmente é.



Mas o guia será sempre o Coração.









[1] Deriva da palavra latina “Fatum” que significa “aquilo que está escrito”, em termos de predição ou vaticínio. Liga-se, pois, ao Destino, sendo conhecida a expressão “Amor Fati” (utilizada também por Nietzsche) como “amor do (ou ao) destino”, ou “amor fadado”, no sentido de que tudo que sucede na vida é uma passagem obrigatória ou necessária. No entanto, o “Fado” que, em português, também significa “profecia”, “sorte”, “predeterminação”, não será irreversível como o “Destino”, porque contempla a possibilidade de ser modificado pelo próprio.
Segundo Zecharia Sitchin, os Anunnaki também utilizavam essa terminologia, distinguindo o Fado, imposto, mas reversível, do Destino.  
Fernando Pessoa escreveu no artigo «O FADO E A ALMA PORTUGUESA: Toda a poesia - e a canção é uma poesia ajudada - reflete o que a alma não tem. Por isso a canção dos povos tristes é alegre e a canção dos povos alegres é triste. O fado, porém, não é alegre nem triste. É um episódio de intervalo. Formou-o a alma portuguesa quando não existia e desejava tudo sem ter força para o desejar. As almas fortes atribuem tudo ao Destino; só os fracos confiam na vontade própria, porque ela não existe. O fado é o cansaço da alma forte, o olhar de desprezo de Portugal ao Deus em que creu e também o abandonou. No fado os Deuses regressam legítimos e longínquos. É esse o segredo sentido da figura de El-Rei D. Sebastião».
[2] Acervo Biblioteca Nacional de Portugal [BNP/E3-20-73].
[3] In “Mensagem”, poema Ulisses, Lisboa: Parceria António Maria Pereira, 1934 (Lisboa: Ática, 10ª ed. 1972).
[4] In “I am That”, 1973
[5] In Pablo Javier Pérez López, « Historia y Destino: el fatalismo como identidad nacional lusa »Diacronie, N° 8, 4, 2011.
[6] Heráclito nasceu em Efeso, cidade da Jonia, na costa ocidental da Asia Menor (atual Turquia) no ano 545 a.C..
[7]O Crepúsculo dos Ídolos”, publicado pela primeira vez em 1889.
[8] In Obra poética e em prosa, Vol.3, Fernando Pessoa, org. António Quadros e Dalila Pereira da Costa, Porto: Lello & Irmão, 1986.
[9] Publicado inicialmente na revista Presença, números 41 – 42, maio, 1934.
[10] In Pessoa Inédito. Fernando Pessoa. (Orientação, coordenação e prefácio de Teresa Rita Lopes) Lisboa: Livros Horizonte, 1993.
[11] In “Sobre Portugal - Introdução ao Problema Nacional. Fernando Pessoa” (Recolha de textos de Maria Isabel Rocheta e Maria Paula Morão. Introdução organizada por Joel Serrão.) Lisboa: Ática, 1979. 
[12] Entre outros livros, escreveu “Poesía, Ontología y Tragedia en Fernando Pessoa”, Editorial Manuscritos, 2012.
[13] In Diacronie, N° 8, 4/2011.
[14] In Diacronie, N° 8, 4/2011.
[15] A Evolução do Sebastianismo, Lisboa,1918, Editorial Presença 1984.
[16] In O Encoberto, 1904, Lello &Irmão, 1983.
[17] In As Origens do Sebastianismo, edições Rolim, Lisboa,1982.
[18] Também conhecido como Livro das Revelações, é o último libro do Novo Testamento e da Bíblia cristã.
[19] O único livro de Fernando Pessoa publicado em português durante a sua vida, em 1934.
[20] Poema sem título, escrito em 10-12-1928 e integrado na Mensagem. Fernando Pessoa. Lisboa: Parceria António Maria Pereira, 1934 (Lisboa: Ática, 10ª ed. 1972).
[21] In “Portugal como Destino”, Editorial Gradiva, Lisboa, 1999.
[22] In “Coral”, Editorial Caminho, Lisboa 2005.
[23] In “Portugal como Destino”, Editorial Gradiva, Lisboa, 1999.
[24] Idem
[25] Citado por Ramiro Calle in “La Sabiduría de los grandes Yoguis”, editorial E.l.a., 2019
[26]  Râmakrishna não duvida que muitos dos “chamados eruditos são pomposos e pretenciosos. Falam de Brahma, de Deus, do Absoluto, de Jñana-Ioga, de filosofia, de teologia, e de outros temas, mas são muito poucos os que experimentaram ou vivenciaram, em si mesmos, aquilo de que falam. Por isso, são áridos e insensíveis, e não conseguem repartir nenhum bem. “
[27] Parêntesis fora do texto original
[28] Idem
[29]  In “I am That”, 1973.
[30] Sophia de Mello Breyner Andresen, “Coral ”, Editorial Caminho, Lisboa 2005.
[31] E o Caminho já é a meta...

[32] Daí a missão ter sido encomendada aos portugueses, peritos em “dar novos mundos ao mundo. ”