“Não há religião superior à verdade."
Helena Blavatsky
O drama de Prisciliano, como o primeiro mártir às mãos da
própria Igreja Católica Romana a que pertencia, é um verdadeiro libelo acusatório, que
põe em causa uma Instituição que cedo enfermou de vícios e posturas
contrárias à sua origem...
Pode argumentar-se que o punhado de clérigos mais
directamente envolvido no caso não representa a Igreja e que tudo se reduziu a
um confronto de personalidades, bem localizado no tempo. Mas a verdade é que o
processo em causa e o seu desenvolvimento, muito para além do conflito
psicológico entre os actores principais, envolveu vários sínodos e
concílios, com a exaustiva intervenção de bispos, patriarcas, santos e papas,
para além de três imperadores romanos…
Ali se delineou, pela primeira vez, um tipo de actuação que se veio a tornar num modelo de prática, sobejamente utilizado pela Instituição eclesiástica ao longo dos
séculos. Por exemplo, não prefigurou o processo em causa os métodos da Santa
Inquisição, oito séculos depois, e não
abriu a porta ao monolitismo reaccionário e intolerante, bem como às alianças obscuras com o
poder civil e militar, que ainda perduram?...
Por isso, não só me parece lícita a generalização, como a
análise do modus-operandi permite entender, desde logo, a filosofia que levou à
criação e à manutenção de um determinado "establishment", que a Igreja Católica Romana foi refinando ao longo dos séculos...
É claro que sempre surgiram, dentro dessa Igreja, homens livres e esclarecidos que, impregnados pelo espírito da Obra original, tentaram alterar o referido "establishment" sem, no entanto, lograrem consegui-lo; mas a ausência de resultados não significa ausência de esforço e de vontade de mudança.
É claro que sempre surgiram, dentro dessa Igreja, homens livres e esclarecidos que, impregnados pelo espírito da Obra original, tentaram alterar o referido "establishment" sem, no entanto, lograrem consegui-lo; mas a ausência de resultados não significa ausência de esforço e de vontade de mudança.
Um exemplo significativo do imobilismo institucional ocorreu nos nossos dias, quando o
próprio Papa João Paulo II resolveu pedir perdão à humanidade pelos crimes
cometidos pela Igreja; como todos sabemos, teve que o fazer em nome individual,
porque não conseguiu o apoio da Cúria romana, isto é, do núcleo duro da
Instituição...
Daí o meu propósito não se centrar numa condenação sumária e global
da Igreja Católica Romana, como ela fez
com Prisciliano, abrindo a porta a uma escalada infernal, mas em procurar analisar
os factos históricos, em busca de uma verdade que também foi escondida
e deturpada ao longo dos séculos por aquela mesma Igreja.
E porque não existe, de facto, uma religião superior à verdade.
ICEBERG
A Igreja Católica, por mais chocante ou absurdo que pareça, representa
a parte visível de um enorme iceberg, onde se ocultam grupos de interesses de
toda a ordem, desde a mais alta finança a lobbies inconfessáveis, que governam
o mundo na sombra. Um poder destes, que detém as rédeas dos principais poderes
temporais na face da Terra – Oriente incluído – e que se esconde por detrás do
Vaticano, sendo tremendamente poderoso, nada tem, contudo, do verdadeiro Poder.
De facto, só o Poder Espiritual, que vem do Alto e é transmitido
pelos Avataras Divinos, se constitui como o verdadeiro Poder – e esse Poder tem
uma característica fundamental: em vez de retirar a vida humana, coisa que o
outro faz sem pestanejar, é o único capaz de a restituir!...
Ora se utilizarmos esse critério face à História conhecida, só poderemos concluir que a Igreja Católica Romana actuou, desde muito cedo, como representante do falso poder, isto é, constitui-se como uma simples “Igreja de imitação”...
Esta mesma idéia foi transmitida inicialmente por grupos de cristãos gnósticos primordiais, que se viam a si próprios como detentores da tradição autêntica do cristianismo, isto é, dos Mistérios transmitidos por Jesus, e que os bispos ortodoxos católicos não possuíam; então, independentemente da pompa com que os clérigos triunfantes se rodeavam, aquela falta essencial fazia deles membros vazios da referida "Igreja de imitação"- aliás, uma fraca e embaçada imitação da outra Igreja, que alguns gnósticos iniciados também chamaram Igreja de Melquisedeque.
Esta mesma idéia foi transmitida inicialmente por grupos de cristãos gnósticos primordiais, que se viam a si próprios como detentores da tradição autêntica do cristianismo, isto é, dos Mistérios transmitidos por Jesus, e que os bispos ortodoxos católicos não possuíam; então, independentemente da pompa com que os clérigos triunfantes se rodeavam, aquela falta essencial fazia deles membros vazios da referida "Igreja de imitação"- aliás, uma fraca e embaçada imitação da outra Igreja, que alguns gnósticos iniciados também chamaram Igreja de Melquisedeque.
Esta diferença abissal tem sido muito mais iludida,
disfarçada e branqueada nos nossos dias, pelos últimos Papas do marketing romano… Veja-se a
actuação de João Paulo II, prestigiosa e prestigiante para a Igreja, mas
doutrinariamente oscilante e muito aquém do esperado, porque, decerto, se manteve sempre espartilhada por um compromisso rigoroso com a Cúria romana, o tal núcleo duro e irredutível..
Ou seja, ainda que sinceros e bem-intencionados no seu esforço pessoal, aquele outro poder temporal oculto por detrás, não hesita, sequer, em eliminar os agentes que dele se afastam e se tornam incontroláveis, como terá sucedido com o Papa João Paulo I.
Ou seja, ainda que sinceros e bem-intencionados no seu esforço pessoal, aquele outro poder temporal oculto por detrás, não hesita, sequer, em eliminar os agentes que dele se afastam e se tornam incontroláveis, como terá sucedido com o Papa João Paulo I.
Por isso, continua a ser uma incógnita a atitude desafiante
do actual Papa Francisco, parecendo determinado em escapar ao rigor do
“establishment”; mas também é verdade que a máquina vaticana, bem como a Igreja
em geral (e o resto do iceberg…) precisavam, desesperadamente, de uma imagem
pública diferente, a fim de sobreviverem a si próprios; isto é, precisavam de uma
revolução estrondosa para que tudo ficasse na mesma.
Mas, às vezes, o dedo do destino impõe-se, fazendo com que o
controlo de uma situação escape das mãos de quem pensa que o detém…
Será o caso?
Será o caso?
O Papa Francisco foi eleito por um Conclave preocupado com a
crescente perda de influência na híper povoada América Latina,
sobretudo a favor da Igreja Evangélica; a sua aclamação terá visado, desde
logo, a inversão dessa tendência e a solução para muitos outros processos semelhantes, espalhados pelo mundo, de
enorme desgaste e desprestigio para a Igreja Católica.
Tal renovação urgente precisava de uma Papa
carismático e, obviamente, mediático.
Então, com Francisco sob a luz dos holofotes, estrelando a
derradeira esperança de uma igreja decadente, caduca e viciada, a revolução iniciou-se com uma inusitada e espectacular operação de limpeza no Vaticano e a reconversão da Instituição romana, que encheu as manchetes no
mundo inteiro e deu novo folego ao catolicismo.
Mas até que ponto conseguirá o Papa levar essa revolução
avante? E quem estará por detrás? As mãos sujas de sempre ou o tal dedo de Deus?...
Até agora, os esforços notáveis e notados de Francisco,
apontam para a substituição da fria máquina institucional por um coração – o coração que detinha
no início do cristianismo, dando vida à “Igreja de Pedro”.E tal intensão concorda com a Profecia de
Malaquias - santo católico do século XII e autor da célebre “Profecia dos Papas”,
onde descreve a sucessão apostólica de todos os pontífices desde Celestino II,
seu contemporâneo, até ao último papa da igreja Católica, que designa
metaforicamente como “Pedro, O Romano”.
A interpretação simplista dessa Profecia leva a crer que o actual Papa será o último Papa da Igreja, assim como o título “Pedro, o Romano” concorda, igualmente, com a pretensão de Francisco em reconverter a Igreja aos valores originais do cristianismo.
Mas não é essa a verdadeira questão.
De qualquer modo, se os esforços do actual Papa resultarem numa
transformação significativa da Instituição, tanto melhor, porque a
Igreja de Pedro, depois de dois milénios de convulsões e desencontros, poderá terminar com dignidade.
E talvez seja essa a missão do Papa Francisco.
E talvez seja essa a missão do Papa Francisco.
Mas independentemente das profecias, e seja, ou não, Francisco o último Papa, vai-se tornando claro que o tempo da Igreja Católica Romana está a chegar ao fim - e é isso que mais importa assinalar. A marcha da História não se detém e um novo ciclo, referido por inúmeras Tradições, inexoravelmente se aproxima: o
ciclo onde a Igreja de Pedro será substituída pela Igreja de João.
Esta Igreja de João é a Igreja sem intermediários, nem
estruturas pesadas a condicionarem o passo e, ainda por cima, a cobrarem pelos supostos serviços prestados; é a Igreja do Espírito Santo e da fraternidade
universal; a igreja dos gnósticos, como Prisciliano, apontando o acesso directo
à divindade por dentro de cada um!
É também a Igreja que os portugueses prepararam em segredo, ao
longo da sua História, e que chamaram, igualmente, de Igreja de Melquisedeque.
Segundo a Tradição Lusitana, ela virá à luz com a instauração daquele novo período mundial
- o “Quinto Império” ou “Império do Espírito Santo”- para o qual trabalharam, oculta e silenciosamente, inúmeros iniciados, integrando aquela
“vanguarda espiritual” que, com séculos de antecedência, prepara o passo
seguinte da humanidade.
QVINTO IMPÉRIO
Daí, também, que aquele retrato não tenha sido conservado no Vaticano...
QVINTO IMPÉRIO
Fernando
Pessoa dedica este poema ao Quinto Império:
“Triste de
quem vive em casa,
Contente com o seu lar,
Sem que um sonho, no erguer de asa,
Faça até mais rubra a brasa
Da lareira a abandonar!
Triste de quem é feliz!
Vive porque a vida dura.
Nada na alma lhe diz
Mais que a lição da raiz –
Ter por vida a sepultura.
Eras sobre eras se somem
No tempo em que eras vem.
Ser descontente é ser homem.
Que as forças cegas se domem
Pela visão que a alma tem!
E assim, passados os quatro
Tempos do ser que sonhou,
A terra será teatro
Do dia claro, que no atro
Da erma noite começou.
Grécia, Roma, Cristandade,
Europa – os quatro se vão
Para onde vai toda idade.
Quem vem viver a verdade
Que morreu D. Sebastião? ”
Percebemos
que Fernando Pessoa se refere à sucessão de quatro impérios, desembocando,
logicamente, no quinto.... Ora a existência e o desaparecimento de quatro grandes
impérios, porque imperfeitos e caducos, dando lugar ao quinto, futuro e definitivo,
é igualmente referida pelo profeta bíblico Daniel, como consta no Antigo
Testamento.
Detenhamo-nos,
então, no Livro de Daniel.
Nele
podemos ler que, “no segundo ano do seu reinado, o rei assírio da Babilónia,
Nabucodonosor, teve um sonho que lhe turvou de tal modo o espírito, que o
impediu de dormir. Mandou chamar os magos e adivinhos, os feiticeiros e os
caldeus, para que o interpretassem, dizendo:
– Se não me expuserdes o conteúdo do sonho e a
sua interpretação, sereis cortados em pedaços e as vossas casas arrasadas.
Porém, se me revelardes não só o sonho, mas também o seu significado,
recebereis dádivas e grandes honrarias.
Colocados
perante tal obstinação do rei (“Vamos, dizei-me o que sonhei, pois só assim
saberei se sois capazes de lhe dar a interpretação...”), os caldeus, finalmente
responderam:
– Não
há homem sobre a terra capaz de descobrir o segredo do rei e, por isso, nenhum
rei, por grande e poderoso que seja, exigiu, alguma vez, tais respostas a um
mago, adivinho ou caldeu. O que o rei pede é difícil e ninguém poderá dar a
solução, exceto os deuses, mas eles não vivem entre os seres de carne.
Furioso, o
rei Nabucodonosor assinou um decreto que mandava executar todos os sábios de
Babilónia, incluindo Daniel e os seus companheiros (os judeus ali permaneciam,
em cativeiro). Mas Daniel dirigiu a Aryok, chefe da guarda real, propostas
prudentes e sensatas. Disse Daniel:
– Não mates os sábios de Babilónia. Leva-me
até junto do rei para que lhe dê a explicação.
Apressou-se
Aryok a conduzir Daniel junto do rei, falando deste modo:
– Encontrei, entre os deportados da Judeia, um
homem que pode dar ao rei a explicação que deseja!
O rei tomou
a palavra e disse a Daniel:
– És tu capaz de me dizer o sonho que tive e a
sua interpretação?
Respondeu
Daniel:
– O mistério que o rei quer saber, nem sábios,
magos, adivinhos ou astrólogos seriam capazes de o revelar. Porém, no céu há um
Deus que desvenda os mistérios e que quis revelar ao rei Nabucodonosor o que
vai acontecer no final dos dias.
Ó rei, os
pensamentos que agitavam a tua mente no leito, referiam-se a eventos no futuro
e aquele que te desvenda o que é secreto te dá a conhecer o que então sucederá.
A mim, sem que possua mais sabedoria que qualquer outro ser vivente, foi-me
revelado este mistério com a finalidade de dar ao rei a sua interpretação, para
que conheças os pensamentos do teu coração.
Tu, ó rei,
tiveste esta visão: uma estátua, uma enorme estátua, de um brilho
extraordinário, mas de um aspecto terrível, levantava-se por diante de ti. A
cabeça era de ouro fino, o peito e os braços de prata, o ventre e as ancas de
bronze, as pernas de ferro e os pés, metade de ferro, metade de barro. Tu
contemplavas esta estátua quando, de repente, uma pedra se desprendeu da
montanha, sem intervenção de mão alguma, e veio embater nos pés da estátua, de
ferro e argila, e os pulverizou. Então, tudo o mais ficou igualmente
pulverizado: o ferro, o barro, o bronze, a prata e o ouro, que ficaram como a
moinha que, no verão, voa da eira, levada pelo vento e sem deixar qualquer
vestígio. A pedra que havia golpeado a estátua, converteu-se numa alta
montanha, que encheu toda a terra. Este foi o sonho. Agora vamos dar ao rei a
sua interpretação. Tu ó rei, o rei de reis, a quem o Deus do céu concedeu a
realeza, império, poder e glória – os filhos dos homens, os animais do campo,
os pássaros do céu, onde quer que habitem, deixou-os nas tuas mãos e fez de ti
o seu soberano –, tu és a cabeça de ouro. Depois de ti, surgirá outro reino,
inferior ao teu, depois um terceiro reino, o de bronze, que dominará a terra
inteira. E haverá um quarto reino, forte como o ferro; assim como o ferro tudo
quebra e esmaga, assim este esmagará e aniquilará todos os outros. E o que
viste, os pés e os dedos, em parte de argila, em parte de ferro, indicam que
este reino será dividido; haverá nele a solidez do ferro, conforme viste o
ferro misturado com argila. Os dedos dos pés, parte de ferro e parte de argila,
significam que o reino será ao mesmo tempo forte e frágil. Se viste o ferro
junto com o barro, foi porque as duas partes se uniram por descendência humana,
mas não se aguentarão juntas, do mesmo modo que o ferro não se mistura com a
argila. No tempo destes reis, o Deus do céu fará surgir um reino que jamais
será destruído e cuja soberania nunca passará a outro povo. Pulverizará e
aniquilará a todos estes reinos, e subsistirá eternamente; tal como viste a
pedra desprender-se do monte, sem intervenção de mão alguma, e reduzir a pó o
ferro, o bronze, a argila, a prata e o ouro. O grande Deus fez conhecer ao rei
o que há-de suceder no futuro. O sonho é verdadeiro e a sua interpretação digna
de confiança.
Então o rei
Nabucodonosor atirou-se de face contra a terra, prostrado diante de Daniel, e
ordenou que se lhe oferecessem oblações e aromas calmantes. O rei tomou a
palavra e disse a Daniel:
– Verdadeiramente,
o vosso Deus é o Deus dos deuses e senhor dos reis, o revelador dos mistérios,
já que tu pudeste revelar este mistério.
O rei
conferiu a Daniel um alto cargo e lhe ofereceu muitos e magníficos presentes.
Nomeou-o governador de toda a província da Babilónia e chefe supremo de todos
os sábios da Babilónia.”
***
O Quinto
Império nasceu, assim, com raízes hebraicas, pois a sucessão em causa de
reinos, ciclos ou impérios, assenta naquela mesma interpretação do profeta
Daniel ao sonho do rei Nabucodonosor. A montanha que preenche toda a terra,
representando o quinto reino, ou futuro ciclo para lá da História, definitivo,
estável e perfeito, será o Quinto Império.
É isso
mesmo que deduz o padre António Vieira: “Aquela pedra (...) que derrubou a
estátua e desfez em pó e cinza todo o preço e dureza dos seus metais, significa
um novo e Quinto Império, que o Deus do Céu há-de levantar no Mundo nos últimos
tempos dos outros quatro. Esse Império os há-de desfazer e aniquilar a todos, e
ele só, há-de permanecer para sempre, sem haver de vir jamais por acontecimento
algum a domínio ou poder estranho, sem haver de ser conquistado ou destruído,
como sucedeu (...) aos demais.”
E vai mais
longe: “O primeiro império do Mundo, que foi o dos Assírios e dominou toda a
Ásia, também foi o mais oriental. Dali passou aos Persas, mais ocidentais que
os Assírios; dali aos Gregos, mais ocidentais que os Persas; dali aos Romanos,
mais ocidentais que os Gregos; e como já tem passado pelos Romanos, e vai
levando o seu curso para o ocidente, havendo de ser, como é de fé, o último
império, aonde pode ir parar, senão na gente mais ocidental de todas?”
Também o Apocalipse
de S. João se refere a um
catastrófico “Fim dos Tempos” e ao surgimento, posterior e inimaginável, de uma
era milenária de paz e de suprema felicidade para os homens. Essa nova era –
denominada Millennium pelo autor do Apocalipse – renasceria das cinzas da
História após a derradeira luta do bem, identificado com o Cordeiro e representando o segundo advento do
Cristo, com o mal, figurado pelo Anticristo, que sai completamente derrotado. O
núcleo central do Millennium na terra, ou a capital espiritual desse reino
milenário do futuro, seria uma misteriosa “Jerusalém Celeste”, a “morada de
Deus com os homens” no mundo novo a haver...
A era
milenar mencionada no Apocalipse e que alguns pretendem que seja eterna, ou que
dure “mil anos ou muitos mil...”, conforme António Vieira, corresponde,
evidentemente, ao Quinto Império, sonhado pelos portugueses e empenhados em
torná-lo realidade.
***
O Livro da
Revelação ou Apocalipse é atribuído ao evangelista João, que o terá escrito em
Patmos, na Ásia Menor, durante o seu exílio em tempos do imperador Domiciano
(81 – 96, d. C.) e constituiu sempre uma das leituras preferidas e mais
recomendadas por Prisciliano. Aliás, é no Apocalipse que se encontram todas as
bases do messianismo cristão e do milenarismo, o que o converteu num dos Livros
mais influentes na espiritualidade dos antigos povos cristãos, nomeadamente da
Península Ibérica.
Na verdade,
constatamos, com Manuel Gandra, que “ se persiste a dificuldade de esclarecer
com precisão quais os conteúdos da maioria dos sistemas escatológicos outrora
vigentes no atual território nacional, caso das teosofias celta, greco-latina e
priscilianista, já nenhumas reservas acerca do seu significado suscita o
Apocalipse de Lorvão (manuscrito português do século XII, iluminado, com um
extenso comentário ao Apocalipse bíblico).
Juntamente
com algumas dezenas de outros comentários similares, conhecidos pelo nome de
Beatus, constitui uma impressiva manifestação do arianismo apocalíptico e
quiliástico das comunidades moçárabes dos séc. VIII a XI, que no-lo legaram
fazendo-o acompanhar do culto messiânico do Salvador (Agnus Dei) e da Mulher
vestida de Sol, depois Nossa Senhora do Ó ou da Expectação, tão populares no
círculo galaico-português, antecedendo em muitas centúrias o nascimento do
sebastianismo. ”
Neste
apanhado breve do pensamento que mais influenciou a génese da ideia quinto
imperial, não se pode ignorar a Calábria, onde, no séc.XII, o abade
cisterciense Joaquim de Flora formulou uma concepção trinitária da História,
que dividiu em três grandes eras, estados ou idades. A primeira corresponderia
ao Pai, sendo expressa pelo Antigo Testamento e regida pela lei mosaica; a
segunda, seria a do Filho, apoiada no Novo Testamento e apropriada pela
estrutura eclesiástica romana; finalmente, a terceira, a Idade do Espírito
Santo, resultaria de uma ruptura com a anterior e teria como Livro o, ainda
desconhecido, “Evangelho Eterno”.
Segundo
esta concepção joaquimita, fortemente impregnada pelo messianismo e pelo milenarismo,
seriam os desvios sucessivos à doutrina do Filho (segunda Idade) que
ocasionariam a grande crise, proporcionando a chegada do Anticristo e a luta
terrível, apocalíptica, que conduziria, dramaticamente, ao fim da História. Não
obstante, para o abade Joaquim, seguir-se-ia uma nova era, a Idade do Espírito
Santo, num mundo igualmente novo, governado sob a égide do Cristo vencedor...
Observa Fernando
Pessoa: “O conceito de “quinto império” é antigo na profética cristã e
pré-cristã, entendendo por “pré-cristã” a hebraica, isto é, a daquele povo que
foi especialmente pré-cristão em ser, em grande parte, origem do mesmo
cristianismo. No esquema profético, em que este conceito aparece, determina-se
a existência de cinco impérios até àquilo a que simbolicamente os profetas
chamam “o fim do mundo” – expressão esta que eles porventura sentem como sendo
efetivamente o “fim do mundo”, mas que deve entender-se como significando o fim
do que para eles é o “mundo”, isto é, o fim do conceito que têm do mundo, ou,
esclarecendo melhor, o fim do ciclo psíquico – ordinariamente um ciclo
religioso – a que pertencem e em que pensam. Convém notar bem este sentido
profético da expressão, tantas vezes, empregada, o “fim do mundo”, ou “o fim
das cousas”. Usada por um cristão, serve ela instintivamente para designar o
fim da religião cristã; como, porém, uma mentalidade religiosa não concebe, de
instinto ou de inteligência, o fim da sua religião – que seria o fim da
Verdade, o que é impensável – , o que aparece na sua visão profética como o fim
dessa religião, imediatamente se lhe desenha no espírito como o fim do mesmo
mundo, a dissolução das cousas, a morte do universo – a tal ponto, e tão
naturalmente, confundimos o universo real com o nosso conceito dele. Quando por
isso, o católico Nostradamo profetiza para o fim do século vinte o ”fim das
cousas” entendemo-lo como prevendo para esse tempo, não o acabamento da terra,
ou a extinção da matéria universal, mas tão somente o fim ou da religião
cristã, ou, pelo menos, da sua forma católica, se não for apenas o da forma
romana do catolicismo. ”
A estas
correntes de fundo, associadas à esperança judaica na vinda do Messias e às
lendas do ciclo arturiano, com o regresso do rei que esperava em Avalon para
voltar a conduzir o seu povo na face da Terra, se juntaram vaticínios surgidos
em Espanha sobre uma figura nublada, de estirpe real, denominada pela primeira
vez como “O Encoberto”. Ou seja, aquele que, mais tarde, seria associado ao D. Sebastião
português, nascera de textos proféticos espanhóis atribuídos a Santo Isidoro,
arcebispo de Sevilha no século sétimo, isto é, em tempo dos Godos: “Nos últimos dias, reinará sobre a grande
Hispania um monarca duplamente dotado de piedade... Combaterá todas as impurezas
e reinará sobre a casa de Agar...” Isto é, aquele misterioso Rei, haveria de
derrotar o Império Otomano e, desse modo, estabelecer a Monarquia Mundial. Profecias
assim também ecoavam nas coplas do frade cartuxo Pedro de Frias, ou nas do
frade bento Juan de Rocacelsa, vários séculos depois...
Nos
levantamentos populares das “Germanias”, ocorridos no sul de Espanha entre 1519
e 1523, surgiu igualmente a figura de um “Encoberto”, mas como um fugaz
caudilho, sem perfil nem enquadramento profético ou espiritual.
Portanto,
foi toda uma amálgama de ideias, em ebulição no caldeirão ibérico, que permitiu
a um humilde, mas invulgarmente culto e talentoso sapateiro de Trancoso (vila do
nordeste de Portugal), criar, por sua vez, uma poderosa vaga de fundo, deixando
“grandes mistérios profetizados a que todos comumente chamam as Trovas do
Bandarra, por esta ser a sua alcunha, e ele profetizar em certo género de verso
português, que propriamente se chama Trova. ”
São
palavras de D. João de Castro, nobre lusitano do tempo de D. Sebastião e grande
apologista do Bandarra, de quem foi o primeiro a publicar uma boa parte das
Trovas na sua “Paráfrase”, em 1603, explicando o sentido oculto dos versos e
comparando-o aos de outra origem. Acrescenta, a propósito da “baixa sorte” do
Bandarra, que é assim que Deus nos ensina “por estas suas eleições, quanto se
lembra sempre de pequenos para confusão do costume do mundo, não se desprezando
por tais meios manifestar-lhe suas grandezas. ”
E, de
facto, as Trovas do Bandarra tornaram-se na cartilha da “religião sebastianista”.
É preciso
notar que o sebastianismo foi a forma que tomou o messianismo português – isto
é, a crença messiânica num salvador, ou num rei predestinado, que viria remir a
pátria e exaltá-la ao domínio universal – e que tal crença se iniciou ainda antes
de D. Sebastião. Na verdade (e para além das já citadas origens bíblicas e
apocalípticas), ela principia formalmente no Bandarra, em 1530, e nas suas
Trovas que, pouco tempo depois, se converteram no Evangelho do sebastianismo.
Também é de
assinalar que este messianismo sebastianista, que se aninhou e tornou
inseparável da alma portuguesa, desde então aos nossos dias, não encontra
comparação, na sua persistência e no mantimento da mesma expressão, em nenhum
outro povo do mundo, excluindo os hebreus.
Aliás, as
Trovas do Bandarra também tiveram grande voga entre os hebreus daquele
longínquo século XVI, supostamente convertidos ao cristianismo e chamados de
“cristãos novos”, não só de Trancoso, mas de todo o reino de Portugal.
O próprio
Bandarra foi acusado de judaísmo e conduzido, sob prisão, ao tribunal do Santo
Ofício, em Lisboa. Dificilmente se desenleou das acusações, sendo coagido a
abjurar os seus erros, num auto de fé, e obrigando-se a não mais escrever, ler
ou divulgar coisas relativas à Sagrada Escritura; para além disso, as suas
Trovas foram incluídas no “Index”, ou
catálogo das obras proibidas pela Igreja. Deve acrescentar-se que, passado um
século, conforme relata António Vieira, no preciso dia da aclamação solene de
D. João IV como rei de um Portugal restaurado, se encontrava uma imagem do
Bandarra num altar da Sé de Lisboa...
Ou seja, o
processo inquisitório anterior esfumara-se, ninguém levava mais em conta a
proibição do Santo Ofício e os próprios pregadores exaltavam do púlpito a
excelência das Trovas, como verdadeiras profecias, enaltecendo o seu autor como
o grande profeta nacional... O Bandarra, por interpostas bocas, voltava a falar
livremente e levava a melhor sobre os seus juízes de outrora, que o haviam
condenado ao mais rigoroso silêncio. Mas nem sempre foi assim pois, no futuro,
as Trovas seriam de novo proibidas ou exaltadas, num vaivém conforme às
flutuações do poder da Igreja.
Fernando Pessoa
também nos transmitiu a euforia pelo Bandarra, enquadrando-a, no entanto, no
horizonte quinto imperial atual e não ao serviço de passageiros interesses temporais.
Ouçamo-lo:
“ O
verdadeiro patrono do nosso País é esse sapateiro Bandarra. Abandonemos Fátima
por Trancoso.
Esse
humilde sapateiro de Trancoso é um dos mestres da nossa alma nacional, uma das
razões de ser da nossa independência, um dos impulsionadores do nosso
sentimento imperial.
Esse
Bandarra é a voz do Povo português, gritando, por cima da defecção dos nobres e
dos clérigos, por cima da indiferença dos cautos e dos incautos, a existência
sagrada de Portugal.
Quando
António Vieira quis basear em qualquer coisa a sua fé natural nos destinos
superiores da Pátria, que coisa foi que encontrou? As profecias desse sapateiro
de Trancoso. Amou-as e as comentou o maior artista da nossa terra, o Grão
Mestre, que foi, da Ordem Templária de Portugal.
O Bandarra,
símbolo eterno do que o Povo pensa de Portugal.
Que
Portugal tome consciência de si mesmo. Que rejeite os elementos estranhos.
Ponha de parte Roma e a sua religião. Entregue-se à sua própria alma. Nela
encontrará a tradição dos romances de cavalaria, onde passa, próxima ou remota,
a Tradição Secreta do Cristianismo, a Sucessão Super-Apostólica, a Demanda do
Santo Graal. Todas essas coisas, necessariamente dadas em mistério, representam
a verdade íntima da alma, a conversação com os símbolos, (...).
Citam-se
quadras populares, melhores ou piores, como sendo a voz do Povo. A voz do Povo,
porém, não falou nunca tão alto como na voz do Bandarra.
Quebrar com
Roma. Quebrar com a ideia monárquica. Quebrar com a ideia de Pátria como
entidade oposta a qualquer outra coisa neste mundo.
Quebremos
com Roma. Deitemos fora esse fardo de trevas e de desalento que há séculos
pesa, mais ou menos, sobre as nossas inteligências e sobre as nossas decisões.
(...)
No
sentimento patriótico não deve existir elemento que não seja nosso. Expulsemos,
pois, o elemento romano. Se há que haver religião em nosso patriotismo,
extraiamo-la desse mesmo patriotismo. Felizmente temo-la: o sebastianismo. “
***
O dealbar
do ano de 1554 começou de forma fatídica para os portugueses, pois o amado
príncipe D. João, único sucessor direto do rei D. João III, morria na flor da
idade, com 16 anos. No entanto, sua mulher, D. Joana de Áustria, filha do
imperador Carlos V, estava grávida e passados apenas dezoito dias sobre a morte
do príncipe, dá à luz o filho de ambos – D. Sebastião.
Por isso,
um escrito da época assinala que, com esse nascimento, “enxugou Nosso Senhor
nossas lágrimas, dando-nos novos espíritos e nova esperança. ”
E assim
foi, desenvolvendo-se simultaneamente a ideia de que o futuro monarca seria um
ser predestinado, guiado pelo Céu, para realizar os maiores feitos na terra.
Luis de
Camões escrevia na sua dedicatória dos “Lusíadas” ao rei Desejado:
“Maravilha fatal da nossa idade,
Dado ao mundo por Deus, que todo o mande,
Para do mundo a Deus dar parte grande.”
Prenunciava,
desse modo, as conquistas em terras maometanas, de acordo com Lúcio de Azevedo,
que acrescenta: “Tudo nele influi o sentir de predestinado. Criam-no com fumos de imperador de Marrocos, clama
o provincial dos Agostinhos, frei Miguel dos Santos, no sermão das exéquias.
Diogo de Teive, em tersos versos latinos, prediz que ele há-de estender os
domínios da Índia até aos confins do orbe, e sujeitar de todo as terras
africanas. Fala aí outra voz que a da simples lisonja, porque é convicção nacional.
Depois das incríveis proezas da Índia, exageradas até ao delírio, nada parecia
impossível. Aos treze anos, pessoa tão conspícua, como o cronista-mor do reino
Francisco de Andrade, pressagia-lhe a glória de destruir o trono otomano, que
Solimão o Grande ocupava. Também os Lusíadas
esperam dele o jugo e vitupério
do marroquino, do torpe israelita, e
de quem ainda?
“Do Turco
oriental e do gentio
Que ainda bebe o licor do santo rio.”
Todas as
aspirações coincidem no mesmo sonho. Destruído o Turco, recuperada a Terra
Santa, dominado o judaísmo, nada mais faltava, para as profecias se cumprirem,
que o império universal. Era a voz do Bandarra que soava, até nos carmes do
insigne cantor da nossa grei.”
Manuel
Gandra assinala que “era invocado com insistência um presságio extraído dos
capítulos I e II do “Oráculo Profético”, supostamente oferecido por um anjo a
S. Cirilo:”No tempo de 1554 nascerá o sol, e estará eclipsado e escondido por
algum tempo, e será lastimado com o aguilhão do desprezo numa pequena cova de
três ou quatro repartimentos, cercado de grades. Guardá-lo-ão escorpiões, e
depois senhoreará o Mundo.”
Também o
mesmo autor nos chama a atenção para o célebre retrato de D. Sebastião pintado
por Cristóvão de Morais que, com enorme desfaçatez, era destinado ao papa Pio V.
Porque, na verdade, essa tela denuncia, claramente, o projecto gibelino, ou
anti-papal, do monarca português...
Educado por
jesuítas (que haveriam de prolongar essa fidelidade nos tempos posteriores da
desgraça), e certamente por eles ou por outrem instruído nas crenças
messiânicas, no milenarismo joaquimita e nas profecias do Bandarra, D.
Sebastião tê-las-á abraçado, como prova a referida pintura. Nela surge como
Monarca Universal ou DVX, associado ao Veltro ou cão lebreiro, personagem da
Divina Comédia, de Dante Alighieri, “agente do Tribulatio e da Renovatio e, de
acordo com a tradição gibelina, assimilada pelo joaquimismo, enviado por Deus
para aniquilar a meretriz e o gigante que delinque com ela, i.e., Roma. ”
Senão, vejamos o respectivo excerto do Inferno, canto primeiro da
Divina Comédia de Dante Alighieri, no que se refere à loba, símbolo de Roma:
“A fera, que tanto te faz gritar,
Não deixa passar pessoa alguma pelo caminho
Onde se dispõe, a fim de a devorar.
Tem natureza tão pérfida e furente,
Que seus apetites jamais sacia
E depois que há comido, mais fome sente.
Com muitos animais se consorcia
E a outros se vai ainda unir, até que venha
um lebreiro
Que dará morte à loba, em agonia. ”
Fazendo-se retratar como o senhor do cão lebreiro, D. Sebastião assume-se
como chefe da Igreja posterior à de Roma, que ele próprio, ou o seu cão,
derruba.
Daí, também, que aquele retrato não tenha sido conservado no Vaticano...
As Trovas
do Bandarra e outras profecias congéneres, afirmavam que Portugal daria ao
mundo o grande Encoberto, que haveria de desbaratar os exércitos dos Turcos na
África, na Terra Santa, na Ásia menor, e inauguraria a Monarquia Universal. D.
Sebastião, o rei-menino, de nascimento tido por milagroso e tão fortemente
Desejado, estava imbuído de todos esses ideais cavaleirescos. E, evidentemente, ao contrário
do que fizera seu avô D. João III que, em vez de conquistar a África,
abandonara algumas praças africanas, fervia por nela assentar os seus arraiais.
Quando
entrou na nau que o conduziu a Marrocos tinha 24 anos. Decorria o mês de Agosto
de 1578. Terá dado conta de que as ervas secas pelo verão, na planície de
Alcácer-Quibir, já cheiravam a morte à sua chegada?...
A triste
nova do desastre africano e do desaparecimento do rei predestinado provocou a
maior consternação e desespero no reino de Portugal, que ficava à mercê de
Filipe II de Espanha, tio de D. Sebastião e, portanto, o herdeiro mais próximo
da coroa.
E as
profecias?...
Sem D.
Sebastião, quem haveria de engrandecer a Pátria e cingir a coroa de Monarca
Universal?... O rei Desejado tinha um papel a cumprir e não podia sucumbir
assim!...
José van
den Besselaar refere que “o padre José de Anchieta, apóstolo do Brasil, no dia
fatal de 4 de Agosto de 1578, teria dito ao capitão Miguel de Azevedo que D.
Sebastião perdera a batalha mas não morrera e que, ao cabo de muitos anos,
novamente tomaria posse do seu Reino.”
Também D.
Francisco Manuel de Melo, no seu “Portugal Restaurado”, observa que a afeição
recíproca entre os Jesuítas e D. Sebastião fez com que muitos varões doutos da
Companhia não só duvidassem da morte dele, senão que esperassem havia de ser
restituído ao trono...
Aliás, os
Jesuítas, fomentando a crença messiânica e contando, depois, com um inflamado
António Vieira a transformar as trovas do Bandarra em puro sebastianismo,
vieram a tornar-se nos grandes responsáveis pela posterior Restauração,
sessenta anos depois.
Mas na
época seguinte à batalha perdida, a confusão e o desalento, misturados com
revolta e submissão, nada mais deixavam ouvir e, depois do breve interregno em
que o cardeal D. Henrique procurou salvaguardar o trono, o país, exausto, cedeu
às ameaças de Castela e reconheceu o rei Filipe II, primeiro de Portugal.
Lúcio de
Azevedo afirma que “ é nesse tempo que D. João de Castro, o futuro apóstolo do
sebastianismo, vê pela primeira vez as Trovas do Bandarra (...), que fazem
ressurgir na alma popular a esperança antiga. Ele foi o S. Paulo da religião
sebastianista, que reuniu os elementos dispersos da lenda em corpo de doutrina,
deu a esta a forma definitiva e, com o fervor dos prosélitos, a propagou".”
Para D.
João de Castro, o rei D. Sebastião teria mesmo sobrevivido à batalha de
Alcácer-Quibir e andaria a peregrinar por terras longínquas, para um dia voltar
como o Encoberto e assumir, finalmente, a sua função de Imperador do Mundo.
Alguns
séculos volvidos, em que o sebastianismo passou por inúmeras vicissitudes, com
poucos altos e muitos baixos, vem, finalmente, Fernando Pessoa, o mestre do
“racionalismo espiritualista”, esclarecer que não é a forma humana de D.
Sebastião que, milagrosamente, haveria de regressar um dia, mas sim aquilo que
ela, entretanto, passou a simbolizar.
Explica que
“ no sentido simbólico, D. Sebastião é Portugal: Portugal que perdeu a sua
grandeza com D. Sebastião, e que só voltará a tê-la com o regresso dele,
regresso simbólico – como, por um mistério espantoso e divino, a própria vida
dele fora simbólica – mas em que não é absurdo confiar. ”
E, ainda,
que: “1. Onde há forma há alma. A forma é o que torna tal cousa tal cousa.
Assim uma árvore tem forma. Uma batalha, que é tal, e não tal outra, tem forma
também. Quanto maior é a cousa, mais a sua forma lhe é própria. Não se pode restituir
a uma batalha a sua forma. Uma vez dada, ela não se repete. Os acontecimentos
têm alma. Os acontecimentos são homens.
2. A metempsicose. A alma é imortal
e, se desaparece, torna a aparecer onde é evocada através da sua forma. Assim, morto D. Sebastião, o
corpo, se conseguirmos evocar qualquer cousa em nós que se assemelha à forma do
esforço de D. Sebastião, ipso facto o teremos evocado e a alma dela entrará
para a forma que evocámos. Por isso quando houverdes criado uma cousa cuja
forma seja idêntica à do pensamento de D. Sebastião, D. Sebastião terá
regressado, mas não só regressado modo dizendo, mas na sua realidade e presença
concreta, posto que não fisicamente pessoal. Um acontecimento é um homem, ou um
espírito sob forma impessoal.
3. A profecia é a visão dos
acontecimentos na sua forma corpórea. É o contrário do que acima expomos. Uma
batalha que se vai dar aparece com uma forma humana ou outra antes de se dar.
Porque pode ter uma forma humana, porque realmente a tem.
4. A profecia pode às vezes (ou, sempre)
aplicar-se a várias cousas. Isto não invalida a profecia. É que vários
acontecimentos, são um acontecimento só, isto é, um só ente sob várias formas.
Assim se uma profecia representar possivelmente D. Sebastião, D. João IV, D.
Pedro IV (ou V) e a República e mais cousas, isto não quer dizer que a profecia
seja falsa. Quer dizer que toda a profecia é de uma cousa sob várias formas, e
ela exprime o essencial que atravessa todas essas formas.
5. Com
D. Sebastião morreu a grandeza da Pátria. Se a Pátria tornar a ser grande,
voltará, ipso facto, D. Sebastião, não só simbolicamente falando, mas
realmente. “
Todas estas
explicações pessoanas encontram-se condensadas no poema da “Mensagem” dedicado
a D. Sebastião:
“ Sperae!
Caí no areal e na hora adversa
Que Deus concede aos seus
Para o intervalo em que esteja a alma imersa
Em sonhos que são Deus.
Que importa o areal e a morte e a desventura
Se com Deus me guardei?
É O que eu me sonhei que eterno dura,
É Esse que regressarei. “
Neste poema
encontra-se sintetizado todo o messianismo sebastianista português, ou quinto
imperial.
“Esse que
regressarei” é o verdadeiro Encoberto, que acalenta os corações e acende a luz
da esperança no Mundo... É esse o Encoberto que poderá utilizar, eventualmente,
uma expressão humana, como sucedeu com Jesus, no seu tempo, embora a sua
condição ou essência nada tenham de humano...
Porque, afinal, esse mistério encerra o anúncio da Segunda Vinda ou Novo
Advento do Cristo Redentor, por ora ainda Encoberto.
***
Segundo
Fernando Pessoa, os últimos três Avisos da aproximação do Encoberto já
ocorreram: o Primeiro, no século XVI, foi o poeta popular Gonçalo Anes,
conhecido como o Bandarra, nascido na vila de Trancoso, em Portugal, no ano de 1500
e ali também falecido em 1556 – personagem
e obra amplamente referidos nestas páginas.
Ao Bandarra
sucedeu o Segundo Aviso: o padre jesuíta António Vieira, que nasceu em Lisboa,
Portugal, em 1608 e terminou os seus dias em Salvador, Brasil, em 1697.
Missionário, filósofo, escritor e orador de renome, foi um dos mais importantes
vultos culturais do século XVII. Acusado pela Inquisição, que o perseguiu pelas
suas ideias milenaristas e messiânicas, inspiradas pelo Bandarra, foi confinado
à sua cela. Em 1666, o tribunal ordenou mesmo a sua reclusão num cárcere de
custódia, onde passou todo um ano.
Foram
dezanove as “reprovações” e demais “suposições” com que Vieira foi arguido e os
juízes classificaram o seu escrito “Esperanças de Portugal. Quinto Império do
Mundo...” de “estranho, escandaloso, temerário, ofensivo, fátuo com sabor a
heresia e injurioso para a Igreja. ” A sentença depois proferida não podia ser
pior para um homem como António Vieira: “...seja privado para sempre de voz
ativa e do poder de pregar. ”
Assim que
se viu livre, partiu para Roma, em busca da revisão daquela sentença, e ali passou
os seis anos seguintes. Só então regressou a Lisboa, munido de um Breve do Papa
Clemente X que o isentava “por toda a vida de qualquer jurisdição, poder e
autoridade dos inquisidores presentes e futuros de Portugal ”, mas permanecendo
sujeito à autoridade da Cúria romana.
Pessoa não hesitou em considerá-lo como “ o
maior artista da nossa terra, o Grão Mestre, que foi, da Ordem Templária de
Portugal. ”
Não existem
registos ou quaisquer outros vestígios da referida Ordem Templária de Portugal,
certamente secreta; por isso, Fernando Pessoa só poderia afirmar tal coisa se
ele próprio tivesse pertencido à ordem e acedido ao seu historial.... No
entanto, não é meu objetivo de agora especular sobre factos ocultos da vida de
António Vieira, mas sim definir o seu pensamento face ao Quinto Império,
claramente expresso.
Esse
pensamento entronca, obviamente, nas Trovas do Bandarra, o seu modelo e a quem
considerava “profeta iluminado”, mas alarga audaciosamente o seu sentido,
fazendo coincidir a Monarquia de Portugal com o Império do Mundo, num Reino
“sem termo nem limites”; isto é, sublimados os 4 impérios anteriores,
imperfeitos e caducos, surgiria o Quinto, conforme a profecia de Daniel, cujo
espaço seria o mundo e o tempo o Millenium, mas aqui com o sentido de
eternidade, dado pelas próprias palavras de Vieira: “mil anos ou muitos mil”...
A instauração material desse último Reino ou
Império caberia aos portugueses, seguindo um Rei que, ao morrer não morreria,
mas antes se retiraria para um local misterioso donde, mais tarde, ressurgiria
no palco do mundo, ainda que corporizado por Outro. De acordo com Vieira, nessa
altura “todos os reinos se unirão em um ceptro, todas as cabeças obedecerão a
uma suprema cabeça, todas as coroas rematarão em um só diadema...”
O Terceiro
Aviso foi interpretado pelo próprio Fernando Pessoa, no século XX, e a sua obra
é tão desmesuradamente grande e universal, que dispensa quaisquer comentários. Refira-se,
apenas, um pormenor menos conhecido: o poeta dava-se a si mesmo a alcunha de Íbis,
com ela supostamente ocultando uma ligação ao deus Thot dos Egípcios,
desvelador do verbo criador e patrono dos magos, astrólogos, curadores e
encantadores, guarda-livros e contabilistas (atividade com que Pessoa ganhava a
vida), também associado ao deus grego Hermes... Simbolicamente, surge como
muito significativo.
Na
“Mensagem”, único livro português publicado em sua vida, Fernando Pessoa sublinha
o advento próximo do personagem central do Quinto Império: o Cristo Redentor Encoberto,
que governará o mundo no ciclo seguinte ao atual. Claro que a Igreja Católica
sempre se opôs, violentamente, à ideia de um ciclo histórico para além dela e,
portanto, nascido da sua própria morte anunciada.... Por isso o Bandarra e
António Vieira, cada um no seu tempo, foram perseguidos e presos pela
Inquisição; quase seguiram o destino de Prisciliano, mas salvaram as suas
vidas, embora fossem condenados. Quanto a Fernando Pessoa, que se definiu a si
próprio como “Cristão Gnóstico e, portanto, oposto a todas as Igrejas
organizadas, e sobretudo à Igreja de Roma”, se a Inquisição, entretanto, não
tivesse sido extinta em Portugal, não teria qualquer hipótese de escapar...
Seguramente,
teria ardido na fogueira, com todos os seus escritos.
SEMENTES
O carácter espiritualmente rebelde do galego Prisciliano também está cada vez mais presente nesta
mudança de ciclo. A sua vida precedeu a do Bandarra em doze séculos, a de António
Vieira em treze e a de Fernando Pessoa em dezasseis mas, de forma intemporal, detinham
em comum a liberdade de pensamento e de crença religiosa, inspirada pela acção
do Espírito Santo, bem como a valentia para enfrentar a implacável máquina
institucional da igreja. Todos eles contribuíram enormemente para
a sacralização de um espaço – o espaço ocupado por Portugal e pela Galiza, sua
extensão natural e altar oculto, – predestinado a tornar-se num sustentáculo material do Quinto Império supra-físico ou espiritual.
Poderá, então,
dizer-se que os delitos de consciência que levaram Prisciliano a tornar-se no
primeiro mártir da igreja triunfante eram já sementes soltas do futuro, que
caíram a destempo num terreno totalmente impreparado para as receber; por
isso, ao florescerem naquela época longínqua foram, de imediato, arrancadas como daninhas.
Evidentemente, para que não manchassem a seara dos
vencedores.