23 de abr. de 2015

RESSURREIÇÃO - ("Prisciliano Ressuscitado" - Capítulo 7)






"Para ser grande, sê inteiro"
Ricardo Reis




O filósofo português Agostinho da Silva, num rasgo visionário, chamou à cidade de Santiago de Compostela, capital da Galiza, a “separada Irmã” dos portugueses que, “de farol da unidade cultural europeia, passaria a farol da unidade da cultura universal”.

Acredito que esse salto para o futuro tem a ver com a implantação do Quinto Império, tal como o denomina a Tradição Lusitana; isto é, de um novo ciclo cultural e espiritual no mundo, em que a actual igreja romana de Pedro dará lugar à igreja gnóstica de João, ou do Espírito Santo, assente no coração e na consciência  de cada um dos seus membros, em todo o planeta.

 Os agentes dessa enorme mudança serão os Povos Ibéricos – portugueses, galegos, castelhanos, catalães, bascos…e todos os que convivem numa Ibéria criada e sacralizada para esse fim e que, no passado, ainda que agindo em separado, já  transformaram o mundo de então no de hoje conhecido. Mas creio que o acender da chama, ou a iniciativa pragmática para essa outra transformação global, a que Fernando Pessoa chamou de "Novas Descobertas", caberá, uma vez mais, aos portugueses.

Sendo assim, é a hora dos Povos Ibéricos darem as mãos e se juntarem num projecto de âmbito exclusivamente cultural e espiritual, já que politicamente a história não deixa, nem seria o mais importante. Portanto, mantendo a identidade própria de cada um, haverá que ser cuidadosamente constituída uma frente ibérica comum, alargada ao outro lado do mar.

Porque, como também dizia Agostinho da Silva, “não há uma só Península Ibérica, mas duas, sendo a outra a mal denominada América Latina”. E acrescentava que “só os Povos Ibéricos, a toda a volta do mundo, lhe poderão, a ele mundo, dar mundo novo”…

 Esse “mundo novo” é, de facto, o referido Império universal, e deverão ser os portugueses a tomar a iniciativa porque o sonho foi seu e a eles compete explaná-lo e derramá-lo pelas duas Peninsulas Ibéricas, com elas iniciando um trabalho dirigido àquele futuro onde, como também dizia Pessoa,” seremos tudo”…

“Tudo” que possa servir de modelo para uma nova humanidade, fazendo do grande espaço ibérico uma plataforma de apoio, de conhecimento e de iniciação para todos aqueles que pretendam romper as cadeias que os encerram e alcançar a liberdade, não se resignando a morrer sem consciência e sem, antes, terem plenamente vivido. 

Serão esses os homens e as mulheres do Quinto Império.

Comecemos, então, por criar, mental e energeticamente (pois a energia segue o pensamento), um novo conceito de Ibéria, que depois se espalhará naturalmente e sem esforço, à nossa volta e por toda a parte – ou seja, se construirmos em nós a Ibéria, muito mais facilmente a Ibéria existirá...

Fernando Pessoa insistia nesta mesma ideia: “O que supremamente convém é criar, desde já, a ibericidade. Fazer tender todas as energias das nossas almas para um fim, por detrás de todos os fins imediatos que tenham. Esse fim é a Ibéria.”

Trata-se, evidentemente, da construção de uma base alargada onde assentem os alicerces e os pilares físicos, psíquicos e espirituais do futuro Império. Ou seja, de um primeiro palco no mundo propício à manifestação do Rei-Imperador, que outro não é senão o Cristo Redentor Encoberto do Mistério português.

Visando acelerar aquela construção, proclamava o personagem Fernando Pessoa no filme "Mensagem": “Cumpri a minha missão de anunciador de um dia novo. Falta que a estrada se ache, mas está indicada a sua direcção. Deste dia em diante, em toda a Ibéria, transmutação de todos os valores!” 

 Mas quando Pessoa escreveu sobre a Ibéria (presumivelmente entre 1916 e 1918), os tempos ainda não eram chegados.

Agora são.

E voltamos a Agostinho da Silva, constatando que “a única região que já é ibérica do futuro é a Galiza”. De facto, a “mestiçagem de culturas” que nela coabitam, fizeram da Galiza um solo fértil para as sementes lusitanas, cultivadas por mãos portuguesas, a par das galegas; mas agora o campo de cultivo alarga-se a toda a grande Ibéria para que, na época própria, surja o Fruto, como uma expansão planetária daquela cultura peninsular…

Que vai, de novo, dar novos mundos ao mundo.

Dando voz a uma tradição antiga, os poetas Fernando Pessoa e Luis de Camões coincidem em reafirmar que a Europa, representada antropomorficamente como um corpo régio, tem como cabeça a Península Ibérica.

Escreveu Camões nos "Lusíadas", referindo-se à Península Ibérica como "Hispania" ou "Espanha":

"Eis aqui se descobre a nobre Espanha,
Como cabeça ali de Europa toda..."

E, mais adiante, especifica:

"Eis aqui, quase cume da cabeça
Da Europa toda, o Reino lusitano,
Onde a terra se acaba e o mar começa..." 

Fernando Pessoa retoma esta linha de pensamento na sua "Mensagem", assinalando que a  Europa:

"Fita com olhar esfíngico e fatal 
O Ocidente, futuro do passado.

O rosto com que fita é Portugal." 

 Mas se Portugal constitui, assim, o rosto da Europa, o território que se lhe situa imediatamente por cima, isto é, a Galiza, só poderá corresponder à sua coroa - uma coroa magnífica e resplandecente, assinalando a condição régia e imperial da cabeça ibérica... Ou, melhor dizendo, de todo o grande espaço peninsular transformado, quer deste lado, quer do outro lado do mar. 

Esta coroa galega encontra-se simbolizada por um monumento emblemático implantado na Corunha: a Torre de Hércules, que é um farol romano ainda em funcionamento, justo património da humanidade, e cuja lenda refere que foi erguida sobre a cabeça de um gigante, ali derrotado e enterrado pelo herói grego, numa das suas viagens.

A própria figura de Hércules constitui também uma referência a um determinado Rei que um dia virá – ou mais propriamente, a um Rei-Imperador que, como Ele mesmo prometeu, voltará a caminhar entre os homens… Não necessariamente ali, mas a partir de um local algures na Grande Ibéria, de aquém e além-mar.
São assim duas cidades galegas – Santiago de Compostela (“farol da unidade da cultura universal”…) e a Corunha, com o seu monumento "coronal" – os dois faróis transcendentes que se acendem na rota cultural e espiritual do futuro, de acordo com os dois “chakras” que se situam na parte superior da cabeça… O terceiro, situado na garganta e que tem a ver com a palavra, corresponde à função anunciadora do Império, atribuída a Portugal.

E não deixa de ser curioso constatar que os dois maiores poetas da língua portuguesa e universalmente consagrados – Luis de Camões e Fernando Pessoa –, provenham de ascendência galega…

No início da sua história, Portugal deteve, por várias vezes, a posse da Galiza, sua continuidade geográfica natural. Acabou por perdê-la e nunca mostrou grande interesse em reconquistá-la, preferindo expandir-se para sul... Segundo Agostinho da Silva, esse foi um erro ou "defeito de origem", assim se lamentando: "nunca se devia ter abandonado a Galiza; se havia que morrer, havia que morrer junto com ela; Portugal tem culpa das lágrimas de Rosalía, e cada emigrado que não volta a ele o acusa"...

 Quanto a mim, o grande problema ali surgido é que Portugal abandonou uma parte de si mesmo, pois do seu corpo total, físico e energético, fazia parte a Galiza; ou seja, a partir daquele momento infeliz, Portugal deixou de ser inteiro, ficando com a alma partida e separada... Portanto, para cumprir a sua missão, e antes mesmo de pensar numa frente comum com outros povos ibéricos, Portugal terá que se completar; isto é, reunir-se de novo com a Galiza, não política, mas espiritualmente.

Digamos que através dessa reunião, haverá como que uma revitalização da energia que corre na cabeça da Europa: uma revitalização do sebastianismo lusitano pelo gnosticismo galego e tão peculiar de Prisciliano. Então, será perfeitamente percebida e constatável a ressurreição de Prisciliano, ou da nova corrente de valores que já brota, livre e incessantemente, pelo Caminho de Santiago das nossas vidas...

Mas não só.

É que essa ressurreição vai provocar igualmente uma outra: a ressurreição de Portugal, emergindo do nevoeiro cerrado e insalubre em que há muito se afundou, para reassumir, plenamente, o seu papel quinto imperial.

Uma vez juntos, Portugal e Galiza darão pleno sentido à totalidade da cabeça ibérica, com o seu rosto reconstituído e devidamente coroado. E, desse modo, poderá passar-se ao passo seguinte do Plano, correspondente à reimplantação dessa cabeça num corpo compatível...

Na verdade, será necessário um novo corpo, jovem e livre de todos os condicionalismos e cargas do passado; um corpo onde possa circular, sem obstruções, o sangue, entretanto alterado pelo novo genoma e que, depois, em sucessivas transfusões, circulará pelos demais países e unirá, espiritualmente, o mundo dos homens.

Creio que esse corpo será o Brasil. Um Brasil futuro, sem mácula, profundamente renovado e a salvo de todos os assaltos tenebrosos que procuram, ainda, desviá-lo da sua verdadeira vocação - afinal, um outro Portugal do lado de lá do mar, segundo o pensamento de Agostinho, esclarecendo-se, assim, a questão da compatibilidade entre corpo e cabeça...  

Esta tese é corroborada por Henrique José de Souza, que utiliza uma imagem semelhante:
"A Península Ibérica é a coroa atlante que ornou o corpo árico dos remanescentes da terrível catástrofe. A coroa é Portugal, o corpo inteiro o Brasil..."

Um Brasil coroado iniciáticamente pela Ibéria e abrindo as portas do Quinto Império ao mundo, é algo digno de se sonhar e de se construir... Por isso muitos lhe consagraram totalmente as suas vidas; o próprio António Vieira, autor da "História do Futuro" e considerado Pai do conceito de Quinto Império, escolheu deixar Lisboa para trabalhar e morrer no Brasil, encontrando-se sepultado na catedral de Salvador da Bahía.

Muito significativamente, Agostinho da Silva assinala que a experiência sul americana "será um regresso ao que na Europa se perdeu, um regresso às possibilidades de começar de novo. De começar o recomeço."

Ou de ressuscitar o sonho.


                                                            
                                         * * * 



No passado, foram as montanhas mágicas da Galiza e as suas rias sagradas, transbordando em ondas de conhecimento e liberdade que celebraram com Prisciliano os Mistérios da Natureza, numa das primeiras e experienciais tentativas de formação da cultura e da espiritualidade peninsular…

No tempo presente, são também os promontórios da Galiza e de Portugal que se estendem prodigiosamente pelo mar dentro, unindo as duas Penínsulas Ibéricas no grande Mistério transatlântico do Caminho de Santiago.

Tudo concorrendo para que daquela gnose peninsular possa nascer o Quinto Império.
                                                          
Deste modo, o Caminho de Santiago confirma-se como um dos mais profundos Caminhos de Iniciação de todos os tempos, podendo dizer-se, também, que nele já existe o primeiro altar do Quinto Império -  um altar de liberdade, por cima de todas as crenças e, portanto, sem dogmas nem rituais, e bem representativo do processo em curso, onde a desolação da morte dá lugar à alegria ímpar  da ressurreição...





É o túmulo de Prisciliano de Compostela.