2 de fev. de 2017

UMA BOMBA AO DESTINO - as fotografias da rodagem da MENSAGEM




 

“Viver não é necessário. O que é necessário é criar. ”

                                                                   Fernando Pessoa






Não sei o que terá passado pela cabeça do engenheiro Álvaro de Campos quando proclamou, peremptoriamente,vou atirar uma bomba ao destino”, mas sei o que passou pela minha, e que me levou a cometer exatamente o mesmo ato, ao decidir filmar a “Mensagem” sem um mínimo de condições e, portanto, completamente por fora dos circuitos de produção do cinema português.

Falar de bombas na atualidade, quando todos os dias os atos terroristas se multiplicam pelo mundo fora é complicado e, até, perigoso. Mas as bombas que apenas espalham morte e destruição, visando mudar um status político ou social, não fazem nada ao destino; pelo contrário, até abrem melhores condições para que esse destino manipulado se instale e se perpetue.

Estas outras bombas a que me refiro, constituídas pela energia dos enfrentamentos individuais de cada um para si mesmo, dos rasgos impossíveis de criatividade e de consciência, dos golpes de asa mais inesperados e surpreendentes, deixam o destino perplexo e sem reação, sendo então fácil acabar com ele e criar outro no seu lugar... Por isso, são elas que transformam verdadeiramente o mundo (e isto não significa que seja o caso presente), não as outras; e, claro, para mudar o mundo em que vivemos será sempre preciso começar por transformar o interior de cada um.

Como já expliquei num texto intitulado “Romper o controle ou como do nada se fez a Mensagem” (publicado neste mesmo Blog e que, desde já, recomendo a leitura ou releitura), tratava-se de transpor para o cinema “um pequeno livro de poemas de Fernando Pessoa que creio conter, nos “entre-versos”, uma mensagem propriamente dita sobre a missão e o futuro de Portugal e do mundo.

A ideia de filmar aqueles “entre-versos” como uma espécie de retrato de grupo da Tradição Lusíada, mágica e espiritual, tentando desvelar o propósito neles contido, afigurava-se, à-priori, como uma tarefa complicadíssima. Acrescente-se que o cinema é uma arte em que, para além do talento, os meios de produção são determinantes na qualidade do produto final; isto é, não se pode pensar em fazer um filme (ainda por cima de longa-metragem e, para mais, em Portugal) sem a verba adequada, que garanta o aparato técnico indispensável, bem como os próprios técnicos, actores, estúdios, guarda-roupa, etc.... Ora o projecto inicial desta “Mensagem” não teve qualquer subsídio do estado português, nem tampouco interessou nenhuma das instituições culturais que, normalmente, apoiam o cinema nacional.

 Portanto, com este cenário à partida, a tarefa passava de complicadíssima à categoria da mais absoluta impossibilidade. No entanto, no outono de 1986 foi rodada a primeira cena da “Mensagem” e, dois anos depois, o filme estava concluído. Como foi possível?

A única resposta é que a situação limite em que me encontrava, provocada pela completa falta de condições, contrapondo-se à grande vontade de seguir em frente, forçou um fenómeno inusitado: ao invés de desistir do filme, como seria racionalmente evidente, desisti do critério que me dizia ser impossível.

O facto é que a “Mensagem” foi depois estreada no cinema S.Luiz, em Lisboa, no dia 13 de Junho de 1988, data que corresponderia ao 100º aniversário do nascimento de Fernando Pessoa.”

Evidentemente, não fui só eu que atirei a bomba ao destino, mas toda uma equipa que ousou acompanhar-me e participar nesse atentado, que poderia ter sido suicida, às normas do sistema. Não só do sistema que regula o cinema, mas do sistema que controla a sociedade, a política, a religião e, enfim, tudo aquilo a que chamamos vida em geral, com os seus padrões estandardizados e racionalmente correctos…

Tal como descrevi no referido texto, “beneficiando de um generoso suporte familiar, começámos por utilizar como estúdio um velho celeiro em Azambuja, onde construímos os cenários com a madeira de caixotes oferecidos por uma fábrica da zona. A RTP (Rádio Televisão Portuguesa) cedeu a película, o laboratório e pouco mais. Os actores e os técnicos, todos profissionais credenciados, acreditaram no projecto e trabalharam duramente, com vencimentos meramente simbólicos, ou mesmo sem eles. Tivemos, também, alguns apoios pontuais e, sobretudo, logísticos, das Câmaras Municipais de Azambuja, Tomar, Lisboa, Batalha e Peniche e somente no final da rodagem se conseguiu uma pequena verba do Instituto Português de Cinema para os acabamentos e a tiragem de cópias.

Enfim, a verdade (e digo isto sem miserabilismos nem lamentações inúteis) é que a falta de condições foi sempre uma constante; começámos sem sabermos como iríamos terminar, vivendo substancialmente de cedências, favores e disponibilidades que originaram, no entanto, paragens de meses entre cenas; mas, em determinado momento, o "nada" inicial havia-se transformado num filme acabado.” 
                                                                                          
Nunca será demais agradecer a todos que, de uma forma ou de outra, participaram neste projeto ou contribuiram, directa ou indirectamente, para a sua concretização; por isso, também deixo aqui registada a minha infinita gratidão, junto com algumas das fotografias mais singulares de uma rodagem épica, como homenagem ao descomunal esforço desenvolvido. Muito obrigado pela confiança, pela alegria constante, pelo acreditar perseverante no sonho, tornado vosso também, e pela atitude comum (mas tão incomum, deveras) que o converteu em realidade!













































































































































                                                                                                    Valete Frates!




In memoriam do Diretor de Fotografia Manuel Costa e Silva, do Assistente de Realização António Loja Neves e dos Atores Felipe Ferrer ("Fernando Pessoa"), Canto e Castro ("Padre António Vieira") , Isabel de Castro ("Tia Anica"), Álvaro Simões ("D.Dinis") e Rui Bettencourt ("Grão-Mestre dos Templários"), que agora poderão esclarecer qualquer dúvida sobre os versos da Mensagem junto do próprio Fernando Pessoa.