“Viver não é necessário. O que é necessário é criar. ”
Fernando Pessoa
Não sei o
que terá passado pela cabeça do engenheiro Álvaro de Campos quando
proclamou, peremptoriamente, “vou atirar uma bomba ao destino”, mas sei o que passou pela minha, e que me levou a cometer exatamente o mesmo ato, ao decidir filmar a “Mensagem” sem um mínimo de condições e, portanto,
completamente por fora dos circuitos de produção do cinema português.
Falar de
bombas na atualidade, quando todos os dias os atos terroristas se multiplicam
pelo mundo fora é complicado e, até, perigoso. Mas as bombas que apenas
espalham morte e destruição, visando mudar um status político ou social, não
fazem nada ao destino; pelo contrário, até abrem melhores condições para que
esse destino manipulado se instale e se perpetue.
Estas
outras bombas a que me refiro, constituídas pela energia dos enfrentamentos
individuais de cada um para si mesmo, dos rasgos impossíveis de criatividade e
de consciência, dos golpes de asa mais inesperados e surpreendentes, deixam o
destino perplexo e sem reação, sendo então fácil acabar com ele e criar outro
no seu lugar... Por isso, são elas que transformam verdadeiramente o mundo (e isto não significa que seja o caso presente), não
as outras; e, claro, para mudar o mundo em que vivemos será sempre preciso
começar por transformar o interior de cada um.
Como já
expliquei num texto intitulado “Romper o controle ou como do nada se fez a
Mensagem” (publicado neste mesmo Blog e que, desde já, recomendo a leitura ou
releitura), tratava-se de transpor para o cinema “um pequeno livro de poemas de
Fernando Pessoa que creio conter, nos “entre-versos”, uma mensagem propriamente
dita sobre a missão e o futuro de Portugal e do mundo.
A ideia de filmar aqueles “entre-versos” como uma espécie de retrato de
grupo da Tradição Lusíada, mágica e espiritual, tentando desvelar o propósito
neles contido, afigurava-se, à-priori, como uma tarefa complicadíssima.
Acrescente-se que o cinema é uma arte em que, para além do talento, os meios de
produção são determinantes na qualidade do produto final; isto é, não se pode
pensar em fazer um filme (ainda por cima de longa-metragem e, para mais, em
Portugal) sem a verba adequada, que garanta o aparato técnico indispensável,
bem como os próprios técnicos, actores, estúdios, guarda-roupa, etc.... Ora o
projecto inicial desta “Mensagem” não teve qualquer subsídio do estado
português, nem tampouco interessou nenhuma das instituições culturais que,
normalmente, apoiam o cinema nacional.
Portanto, com este cenário à partida, a tarefa passava de
complicadíssima à categoria da mais absoluta impossibilidade. No entanto, no
outono de 1986 foi rodada a primeira cena da “Mensagem” e, dois anos depois, o
filme estava concluído. Como foi possível?
A única resposta é que a situação limite em que me encontrava, provocada
pela completa falta de condições, contrapondo-se à grande vontade de seguir em
frente, forçou um fenómeno inusitado: ao invés de desistir do filme, como seria
racionalmente evidente, desisti do critério que me dizia ser impossível.
O facto é que a “Mensagem” foi depois estreada no cinema S.Luiz, em
Lisboa, no dia 13 de Junho de 1988, data que corresponderia ao 100º aniversário
do nascimento de Fernando Pessoa.”
Evidentemente, não fui só eu que atirei a bomba ao destino, mas toda uma
equipa que ousou acompanhar-me e participar nesse atentado, que poderia ter
sido suicida, às normas do sistema. Não só do sistema que regula o cinema, mas
do sistema que controla a sociedade, a política, a religião e, enfim, tudo
aquilo a que chamamos vida em geral, com os seus padrões estandardizados e racionalmente
correctos…
Tal como descrevi no referido texto, “beneficiando de um generoso suporte
familiar, começámos por utilizar como estúdio um velho celeiro em Azambuja, onde
construímos os cenários com a madeira de caixotes oferecidos por uma fábrica da
zona. A RTP (Rádio Televisão Portuguesa) cedeu a película, o laboratório e
pouco mais. Os actores e os técnicos, todos profissionais credenciados,
acreditaram no projecto e trabalharam duramente, com vencimentos meramente
simbólicos, ou mesmo sem eles. Tivemos, também, alguns apoios pontuais e,
sobretudo, logísticos, das Câmaras Municipais de Azambuja, Tomar, Lisboa,
Batalha e Peniche e somente no final da rodagem se conseguiu uma pequena verba
do Instituto Português de Cinema para os acabamentos e a tiragem de cópias.
Enfim, a verdade (e digo isto sem miserabilismos nem lamentações
inúteis) é que a falta de condições foi sempre uma constante; começámos sem
sabermos como iríamos terminar, vivendo substancialmente de cedências, favores
e disponibilidades que originaram, no entanto, paragens de meses entre cenas;
mas, em determinado momento, o "nada" inicial havia-se transformado
num filme acabado.”
Nunca será demais agradecer a todos que, de uma forma ou de outra, participaram neste projeto ou contribuiram, directa ou indirectamente, para a sua concretização; por isso, também deixo aqui registada a minha infinita gratidão, junto com algumas das fotografias mais singulares de uma rodagem épica, como homenagem ao descomunal esforço desenvolvido. Muito obrigado pela confiança, pela alegria constante, pelo acreditar perseverante no sonho, tornado vosso também, e pela atitude comum (mas tão incomum, deveras) que o converteu em realidade!
Nunca será demais agradecer a todos que, de uma forma ou de outra, participaram neste projeto ou contribuiram, directa ou indirectamente, para a sua concretização; por isso, também deixo aqui registada a minha infinita gratidão, junto com algumas das fotografias mais singulares de uma rodagem épica, como homenagem ao descomunal esforço desenvolvido. Muito obrigado pela confiança, pela alegria constante, pelo acreditar perseverante no sonho, tornado vosso também, e pela atitude comum (mas tão incomum, deveras) que o converteu em realidade!
In memoriam do Diretor de Fotografia Manuel Costa e Silva, do Assistente de Realização António Loja Neves e dos Atores Felipe Ferrer ("Fernando Pessoa"), Canto e Castro ("Padre António Vieira") , Isabel de Castro ("Tia Anica"), Álvaro Simões ("D.Dinis") e Rui Bettencourt ("Grão-Mestre dos Templários"), que agora poderão esclarecer qualquer dúvida sobre os versos da Mensagem junto do próprio Fernando Pessoa.