30 de mar. de 2016
UM EVANGELHO DA IBÉRIA - introdução
No princípio, eram os mares.
Os mares nunca de antes navegados, por onde se aventuraram os Lusíadas de Luis de Camões para darem corpo ao mundo, e cujas criaturas marinhas ouviam os Sermões de António Vieira, escritos pela mesma pena que redigiu a História do Futuro; os mares que, depois de conquistados, se uniram num só caminho, o Mar Português de Fernando Pessoa, salgado com as lágrimas pelos que não voltaram, mas que também espelhava, magnificamente, o Céu…
As caravelas portuguesas seguiam um Plano traçado por Quem governa os destinos dos homens, que uns chamam de Deus e outros de Lei e que, na horizontal do mundo, era implementado pelos Templários, isto é, pela Ordem de Cristo, nome que adoptaram em Portugal depois de perseguidos em França e extintos pelo Papa. A coordenar todo o processo encontrava-se aquela figura misteriosa que ficou conhecida na História como o Infante Henrique de Sagres - IHS ou JHS, tanto faz, assinalando a sua verdadeira natureza e filiação espiritual.
Foi nesse mar, em que as ondas físicas se confundiam com a espuma da alma, que desapareceu a Última Nau com o pendão do Império, tal como a descreveu o Poeta, algures na sua viagem para o futuro, encerrando o ciclo das Descobertas. No entanto, junto com a promessa de retorno, deixou a indicação de uma determinada rota espiritual que permite, a quem dela tiver conhecimento, não se perder na escuridão do ciclo seguinte, que é o nosso mundo de hoje, fechado sobre si mesmo num espartilho de racionalismo e materialidade.
Daí o propósito deste Evangelho que, literalmente, significa Boa Nova, dando testemunho da existência daquele legado de esperança. Recordemos os versos herméticos de Fernando Pessoa:
“Levando a bordo El-Rei D. Sebastião,
E erguendo, como um nome, alto o pendão
Do Império,
Foi-se a última nau, ao sol aziago
Erma, e entre choros de ânsia e de pressago
Mistério.
Não voltou mais. A que ilha indescoberta
Aportou? Voltará da sorte incerta
Que teve?
Deus guarda o corpo e a forma do futuro,
Mas Sua luz projecta-o, sonho escuro
E breve.
Ah, quanto mais ao povo a alma falta,
Mais a minha alma atlântica se exalta
E entorna,
E em mim, num mar que não tem tempo ou espaço.
Vejo entre a cerração teu vulto baço
Que torna.
Não sei a hora, mas sei que há a hora,
Demore-a Deus, chame-lhe a alma embora
Mistério.
Surges ao sol em mim, e a névoa finda:
A mesma, e trazes o pendão ainda
Do Império.”
Foi, também, no mar de todos os sonhos e possibilidades que, depois, surgiu inusitadamente, a Jangada de Pedra de Saramago, ou seja, a Península Ibérica, soltando-se dos Pirinéus que a prendiam à Europa para iniciar um percurso marítimo, em solitário, por sobre as ondas do Atlântico… Que o autor me perdoe, mas creio que a história não poderá acabar com a Jangada à deriva. Acredito que, mais cedo ou mais tarde, rume deliberadamente a sudoeste e acabe por encalhar, ou melhor, por se "encaixar" na costa brasileira, seu destino natural.
Aliás, tal desfecho não mais seria que a descrição concreta, ainda que obviamente ficcional e simbólica, da afirmação filosófico-abstracta de Agostinho da Silva (com a qual concordo plenamente!) de que “não existe uma Península Ibérica mas duas, sendo a outra a mal denominada América Latina”…
Num trabalho anterior (veja-se "RESSURREIÇÃO", neste mesmo Blog), tive ocasião de expôr a teoria de que a Península Ibérica, considerada como “Cabeça da Europa” e na qual Portugal e Galiza representam o seu Rosto e Coroa, se projectaria na América do Sul, nomeadamente no Brasil, para ali se constituir, também, como a Cabeça inspiradora do respectivo processo espiritual.
Que com o anterior se liga, evidentemente.
Penso que o brasileiro Henrique José de Souza (HJS ou JHS de novo…), cuja Obra permanece desconhecida porque se encontra muito à frente do seu tempo, concordaria com esta tese, uma vez que deixou escritas estas palavras: “A Península Ibérica é a coroa atlante que ornou o corpo àrico dos remanescentes da terrível catástrofe. A coroa é Portugal, o corpo inteiro o Brasil...”
Sendo assim, poderá, pelo menos, entender-se que todas estas metáforas, lendas e profecias sobre Corpos e Cabeças permitem, desde já, definir um espaço, ou uma base material para a tão falada nova era, ou ciclo posterior ao actual, assente num outro estado de consciência do homem e a que os portugueses chamaram de Quinto Império.
Esse espaço inicial, base primeira do Império a haver, tem pelo meio o oceano Atlântico, que já não separa mas unifica. Quem vive no lado norte, conhece-o como Portugal; quem habita no lado sul, chama-o de Brasil...
E por todo esse corpo circula já uma unidade de propósito indestrutível, assinalada deste modo por Guerra Junqueiro: “Abrasou-nos o mesmo ideal, ardemos na mesma chama… As nossas pátrias desligaram-se para melhor se casarem. Desuniram os corpos, para estreitarem as almas. Duplicando-se, quiseram-se mais. Vivendo tão livres e e corpodistantes, fraternizamos hoje como nunca. Na glória e no sonho, nos ais e nos beijos, no riso e na dor. Amando-nos através das ondas, vencemos o espaço. Amando-nos através da história, vencemos o tempo que já foi. E, com a imortalidade do nosso amor, venceremos a morte – no porvir.”
Esse porvir é agora e, portanto, a base em questão tem que estar preparada – ou seja, a terra tem que ser limpa e bem lavrada, em todos os sentidos, antes de receber as novas sementes...
Referi-me a Portugal e Brasil como as duas faces Quinto Imperiais porque, de facto, são as mais visíveis e as mais preparadas pela História para desempenharem essa função. Mas é preciso entender que, quando se fala de Portugal, não se fala somente do território português, mas do espírito que o transcende e o mantém, por exemplo, sempre unido à Galiza (pois não é ela a Coroa da Ibéria, que encima o rosto?…), englobando ainda a restante Península Ibérica, que completa a Cabeça da Europa. O mesmo sucede com o Brasil, designação que também inclui os componentes daquela outra Ibéria sul americana.
Daí o nome deste Evangelho, pois é realmente a Ibéria (isto é, o seu espírito redentor, inovador e unificador) que se encontra omnipresente em todo aquele espaço referido como base estrutural do Quinto Império, influenciando decisivamente a abertura dos respectivos processos, em ambos os lados do mar…
Mas não obstante a inclusividade genérica atrás referida, um espaço de irradiação tem sempre um ponto focal irradiador – o centro da roda, o vórtice, o pólo… Ora neste processo de preparação do palco Quinto Imperial, distingo perfeitamente três pólos distintos, ainda que constituindo uma só totalidade, correspondentes aos centros focais parciais da nova energia a ser dispensada: Portugal, Galiza e Brasil.
Recorrendo de novo à Obra de Henrique José de Souza, também são requeridas três etapas ou condições fundamentais para o percurso do homem rumo a uma nova consciência: Transformação, Superação e Metástase. Ora, pelo que será explicado e devidamente fundamentado nos capítulos seguintes, associo Portugal com a Transformação, a Galiza com a Superação e o Brasil com a Metástase.
Mas assim sendo, aquelas três etapas constituem, também, um caminho geográfico, verdadeiramente iniciático, que assenta nas qualidades oferecidas por cada um dos pólos. Ou seja, cada um deles inicia segundo os seus próprios métodos (como, por exemplo, o Culto do Espírito Santo em Portugal, ou o Caminho de Santiago, na Galiza), de modo a conduzir o homem ao usufruto pleno das qualidades respectivas, que sempre surgem como acréscimos de consciência.
Esses três pólos, centros ou pilares do novo ciclo ou Império, respeitam a toda a humanidade e, por isso, terão que estar activos em permanência, respondendo ao fluxo incessante que já percorre os itinerários espirituais – isto é, terão que funcionar de per si face à demanda respectiva, o que poderá ocorrer em simultâneo nos três, ainda que também definam e se constituam como um percurso sequencial.
Talvez que a melhor maneira de se compreender o funcionamento destes pólos seja estabelecer uma analogia com os três chakras existentes na cabeça do homem: de acordo com a função de cada um, actuam de modo distinto, acesos pela energia que os percorre em determinada sequência...
Mas a analogia poderá ainda estender-se da cabeça do homem à Cabeça da Europa...
Nesse caso, Portugal corresponderia ao chakra Laríngeo, o Quinto, anunciador e iniciador da Transformação mundial; a Galiza, ao chakra Frontal, o Sexto, envolvendo a Superação, conferida pela intuição espiritual e a realização da Alma e, finalmente, o Brasil teria a ver com o chakra Coronal, o da Metástase com o Espírito, conduzindo à transcendência mais elevada que abre as portas do futuro...
Todos eles funcionando em separado, de acordo com a sua função, mas definindo uma unidade maior, dentro da qual apontam uma sequência...
Uma sequência ou caminho que representa, de facto, o referido percurso iniciático de consciência, definido por Portugal, pela Galiza (na Espanha), e por Minas Gerais (no Brasil), mas totalmente impregnado pelo Espírito Ibérico, presente em toda a sua extensão.
Considero este caminho, cuja direcção este Evangelho se propõe simplesmente apontar, como o mais iniciático do nosso tempo, pautado pela liberdade e conducente à abertura do espírito, indispensável para o reconhecimento do Quinto Império por dentro e por fora de cada um.
Isto é, uma viagem da Ibéria para a Ibéria, percorrendo os três chakras de uma Cabeça que, afinal, é a mesma sem ser a mesma...
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