Eu não amo como os mais,
Que eu no amar sou diferente,
Todos amam por enquanto,
Mas eu amo eternamente.
Luis de Camões
Corria placidamente o ano de 1974 quando, numa madrugada
de abril, Portugal surpreendeu o mundo com a Revolução dos Cravos. Um regime isolado
e cansado, mas teimosamente absolutista, era deposto por um golpe militar, logo
apoiado por uma população entusiasta que encheu de cravos os canos, tornados inúteis,
das espingardas.
Muitos anos depois, já com Portugal modernizado e
integrado plenamente na Europa, pode dizer-se que a Felicidade e a Liberdade totais
vislumbradas naquela madrugada primaveril não foram ainda alcançadas. Na
verdade, o país continua a ignorar as suas raízes e objetivos primordiais,
seguindo de costas viradas para o seu destino e a Felicidade profunda e a
Liberdade autêntica começam sempre de dentro para fora; não adianta celebrar o
lado de fora sem partir do interior, pois é mais uma artificialidade que pode
protelar, mas não impedir que Portugal, inevitavelmente, vá murchando e, mesmo
contra a razão, entristeça.
Nos capítulos anteriores procurei descrever os
motivos dessa tristeza e a sua solução, com o renascimento da Pátria em cada um
dos portugueses. Acrescento agora uma nota de esperança e de urgência, pois se
fomos capazes, anteriormente, de fazer a Revolução incompleta dos Cravos,
chegou o momento de a fazermos integralmente, através das Rosas.
A Rosa é a flor alquímica, por excelência, exaltada
no Cântico dos Cânticos,
símbolo do renascimento pela alma, da pureza do coração, do amor mais profundo
ou do “útero” espiritual, gerador de novos estados de consciência... Desse modo
se associa ao próprio Cristo ou à Grande Mãe, sendo escolhida como emblema pela
Rosa-Cruz, e encontrando-se, também, ligada à Taça do Graal e, obviamente, ao
Portugal espiritual, implantador do Quinto Império no mundo.
Na História mítica de Portugal existe um episódio ligado
àquelas flores do Conhecimento que deverá ser profundamente meditado e
compreendido por todos que aspiram à Liberdade e à Felicidade mais completas a
partir da sua própria revolução interior: o Milagre das Rosas.
Este episódio terá ocorrido no século XIII,
protagonizado pela Rainha Isabel de Portugal, mais tarde canonizada e conhecida
como Rainha Santa, e pelo seu marido, o Rei D. Dinis.
Foi
a “Crónica dos Frades Menores” o
primeiro registo escrito do milagre, relatando-o deste modo: " levava uma vez a Rainha santa moedas no regaço para
dar aos pobres(...) Encontrando-a el-Rei lhe perguntou o que levava(...) ela
disse, levo aqui rosas. E rosas viu el-Rei, não sendo tempo delas. "
Outras versões do milagre
referem pães em vez de moedas, mas sempre se transformando em rosas, de acordo
com as palavras da Rainha.
Vamos, então, procurar conhecer
melhor cada um destes personagens, tão influentes, a vários níveis, na História
de Portugal e também no mundo, para, depois, se analisar o significado do
milagre que atravessou os séculos e que persiste como um caminho direto ao
futuro.
***
A vida prodigiosa de Isabel
começou logo com o seu nascimento no reino de Aragão,
pois vinha totalmente envolta por uma pele (que sua mãe conservou num cofre),
como se de um presente divino se tratasse. Um prenuncio de que, realmente,
assim era.
Tal nascimento ocorreu, presumivelmente, a 4 de
janeiro ou, segundo outras fontes, a 11 de fevereiro de 1270 ou 1271, em
Saragoça. Teve cinco irmãos e era filha do rei Pedro III de Aragão e de
Constança de Hohenstauffen, rainha da Sicília. Seu avô materno era o imperador
Frederico II do Sacro Império Romano-Germânico e também era sobrinha-neta de
Santa Isabel da Hungria, em cuja homenagem lhe deram o nome. O avô paterno, D.
Jaime de Aragão, sempre muito presente na sua educação, dizia que Isabel “avia de ser a melhor molher que saíra da
casa de Aragon” e essa profecia viu-se amplamente realizada pela vida
exemplar que seguiu e que a levou, depois, a ser canonizada como Rainha Santa.
Desde criança que sobressaía a sua espiritualidade
e o seu interesse pelas coisas divinas, dedicando-se a “rezar oras e em servir a Deus por jeûn e por esmolas. “ Tinha
apenas 11 ou 12 anos quando foi pedida em casamento por três príncipes: os
infantes de França e Inglaterra e o já então rei de Portugal, D. Dinis, por
quem seu pai optou.
Foi então, nessa tenra idade, que a 11 de fevereiro
de 1281, Isabel se casou, por procuração, com Dinis de Portugal, na capela de
Santa Ágata, pertencente ao palácio
real de Barcelona, antes de iniciar a viagem para o nosso país.
Como dote, registado por carta de Arras de 24 de
abril de 1281 lavrada em Castelo de Vide, e para sustentar a sua Casa Real,
recebeu as vilas portuguesas de Abrantes, Óbidos e Porto de Mós.
Posteriormente, obteve os castelos de Vila Viçosa, Monforte, Sintra, Ourém,
Feira, Gaia, Lamoso, Nóbrega (atualmente, Ponte da Barca), Santo Estevão de
Chaves, Monforte de Rio Livre, Portel e Montalegre e ainda as vilas de Leiria e
Arruda (1300), Torres Novas (1304) e Atouguia da Baleia (1307).
Isabel entrou em Portugal por Bragança, situada no
nordeste transmontano, encontrando-se com o Rei em Trancoso,
vila acrescentada ao dote, e ali foi celebrada a boda real, no dia 26 de junho
de 1282. O rei de Portugal tinha vinte anos e Isabel, como se viu, mal entrara
na adolescência.
***
Dinis de Portugal foi o sexto rei da Primeira
Dinastia, iniciando muito cedo, aos 17 anos de idade, um longo e brilhante
reinado, filho do rei Afonso III de Portugal e da sua segunda esposa, Beatriz
de Castela. Cognominado de “O Lavrador”
e também celebrado como “O Trovador”, nasceu em Lisboa a 9 de outubro de 1261 e
morreu em Santarém a 7 de janeiro de 1325, sendo Rei de Portugal desde 1279 até
à sua morte.
Fernando Pessoa dedica-lhe o
oitavo poema da “Mensagem” ,
sendo o sexto do capítulo II:
Na noite escreve um seu Cantar de Amigo
O O plantador de naus a
haver,
E E ouve um silêncio múrmuro
consigo:
É É o rumor dos pinhais que, como um trigo
D De Império, ondulam sem se
poder ver.
A Arroio, esse cantar, jovem e
puro,
B Busca o oceano por achar;
E E a fala dos pinhais,
marulho obscuro,
É É o som presente desse mar
futuro,
É É a voz da terra ansiando pelo mar.
Um poeta homenageando um outro poeta e referindo a
sua visão de futuro, pois foi do fomento da agricultura e da reflorestação do
país, com o aumento substancial da plantação dos pinhais de Leiria, S. Pedro de
Moel, Azambuja e outros, que saiu, mais tarde, a madeira e a resina ou o pez,
indispensáveis para a construção das caravelas que sulcaram os mares...
Ainda um terceiro poeta português, Afonso Lopes
Vieira, enfatizando o aspecto providencialista da questão, inclui a Rainha
Isabel num papel ativo no surgimento dos pinhais, com a sua plantação lendária:
“A Rainha Santa Isabel
no arenal bravo de Moel
meteu a mão no regaço,
deitou sementes ao espaço.
– Ó Pinhal do Rei, do Rei meu marido,
Andará nos mares teu corpo florido!
A Rainha Santa Isabel
no areal bravo de Moel
tirou do regaço divino
as sementes do verde pino.
– Ó Pinhal do Rei, do Rei meu senhor,
é Deus quem te sagra por navegador!
Meteu a mão no regaço,
deitou sementes ao espaço,
no areal bravo de Moel
a Rainha Santa Isabel.
– Ó Pinhal do Rei, do Rei meu marido,
dará volta ao mundo teu corpo florido!
Tirou do regaço divino
as sementes do verde pino
no areal bravo de Moel
a Rainha Santa Isabel.
– Ó Pinhal
do Rei, do Rei meu senhor,
tu serás nos mares o Navegador. “
O Rei D. Dinis foi quem definiu as fronteiras
atuais de Portugal,
que se tornaram as mais antigas da Europa, e um dos grandes responsáveis pela
criação da identidade nacional, com a consciência de nação lusitana. Grande
amante e protetor da Artes e das Letras, criou a primeira Universidade
portuguesa e instituiu a nossa língua, na altura o galaico-português, como
língua oficial da Corte. Por outro lado, libertou as Ordens militares no
território nacional de influências estrangeiras e, em 1319, instituiu a Ordem
de Cristo,
a primeira Ordem militar portuguesa, para ela transferindo o património e os
membros da extinta Ordem Templária, que primeiro havia, corajosamente, acolhido
e defendido.
Sete anos antes, em 1312, havia fundado a marinha
portuguesa e ordenado a construção de várias docas. Então, como se depreende, não
foi somente a plantação dos pinhais que espelhou o anteprojeto e serviu como infraestrutura
à grande epopeia dos Descobrimentos, por sua vez anteprojeto do Quinto Império...
Paralelamente a tudo isto, Dinis de Portugal foi um
trovador famoso, cultivando as Cantigas de Amigo e a sátira, contribuindo para
o desenvolvimento da poesia trovadoresca na Península Ibérica e dando-lhe um
cunho muito próprio.
D. Dinis era filho do rei Afonso III, em cujo
reinado a lírica trovadoresca galaico-portuguesa havia alcançado o apogeu e
provinha, ainda, de uma estirpe de poetas, pois era bisneto do rei Sancho I,
considerado como o primeiro dos trovadores portugueses e neto de Afondo X, o
Sábio, rei de Leão e Castela, exímio autor de cantigas marianas. A sua educação
aprimorada, quer na corte ilustrada de seu pai, como na de seu avô materno, com
os múltiplos contatos culturais propiciados pelo Caminho de Santiago,
desenvolveram e aprimoraram o seu talento natural, fazendo dele um prolífico
autor de Trovas e Cantigas.
A sua originalidade baseava-se na sinceridade poética, que o distinguia dos
trovadores provençais, tal como ele próprio o assinala: “os provençais soem muy bem trobar” mas “non hã tal coyta (dor do amor) qual
eu ey sem par. “
Partindo dessa declaração sobre a sinceridade ao
escrever poesia, pode traçar-se com maior precisão o seu sentimento e a sua
ligação com a rainha Isabel, através destes versos:
Pero sabe nostro senhor
que
nunca vo-l’eu mereci,
mais
sabe bem que vós servi,
des que
vos vi, sempr’o melhor
que
nunca eu pudi fazer,
porem querede vos doer
de mim,
coitado pecador.
***
O relacionamento entre Dinis e Isabel terá,
certamente, começado de forma complicada, pois ambos eram muito jovens quando
se casaram; sobretudo ela, que tinha 11 ou 12 anos. Por isso, Isabel, pela sua
pouca idade e experiência de vida, bem como pela sua exacerbada religiosidade,
poderá ter tido dificuldades em receber a Dinis como marido. Possivelmente
essas dificuldades geraram conflitos no matrimónio, sendo a causa das
infidelidades do rei e dos seus filhos naturais. No entanto, Isabel cresceu,
Dinis amadureceu e ambos vieram a assumir, plenamente, as suas funções de esposos
e reis de Portugal, sendo o seu casamento abençoado com dois filhos: Constança
e Afonso, que viria a ser o rei Afonso IV, a seguir à morte do pai.
Ainda como príncipe, D. Afonso rebelou-se várias
vezes, entre 1320 e 1324, contra seu pai, D. Dinis, pois entendeu que este
pretendia dar o trono ao seu filho primogénito, mas ilegítimo, Afonso Sanches.
Nesse conflito filial com foros de guerra civil, Isabel interveio sempre como
medianeira, sendo célebre a sua aparição no campo de Alvalade, quando os dois exércitos
já se encontravam dispostos para o combate. Montada numa mula, percorreu as
duas frentes e conseguiu evitar a batalha, forçando as pazes entre pai e filho,
assinadas depois, formalmente, em 1325.
Foi no início deste conflito, em 1320, que o rei
forçou Isabel a um exílio em Alenquer, possivelmente para a afastar da
influência do filho, D. Afonso, e essa permanência da Rainha no Convento de S.
Francisco, traria consequências inimagináveis.
No século anterior, em 1212, D. Sancha
havia concedido o foral à vila de Alenquer,
onde acolheu os frades franciscanos que viriam a ser assassinados em Marrocos
e, em 1222, a mesma D. Sancha cedeu o Paço Real para o estabelecimento do
primeiro convento franciscano em Portugal, onde, afinal, cem anos passados da
sua fundação, se recolheu a Rainha Isabel. E no qual, sob a influência dos
franciscanos, tomou para si a difusão do Culto do Espírito Santo em todo o
país, base da Terceira Idade e, obviamente, do Quinto Império.
Recordemos que, segundo Joaquim de Fiore, um abade
cisterciense calabrês que viveu no século XII e que formulou a teoria das Três
Idades,
adotadas e largamente difundidas pelos franciscanos através da Europa, depois
da Idade do Pai, correspondendo ao Antigo Testamento e de absoluta
subserviência da Divindade, seguiu-se a era do Filho, com a manifestação de
Jesus descrita pelo Novo Testamento, correspondendo também ao apogeu da Igreja
Romana, restando uma Terceira Idade ainda por chegar, a do Espírito Santo, com
a revelação do Evangelho Eterno e que respeitaria ao reinado final de Cristo na Terra, como
descrito pelo Apocalipse, caracterizada pela iluminação individual e pela
liberdade; ou seja, sem intermediação da Igreja que, evidentemente, logo a
condenou em 1215.
Mesmo assim, esta Teoria e a consequente preparação
para a Idade ou Império do Espírito Santo, Idade de Ouro e de Paz, derradeira
do ciclo da humanidade na Terra, de fraternidade universal e da mais profunda e
íntima espiritualidade, continuou a ser defendida pelos franciscanos, que
certamente a transmitiram à Rainha Isabel, convertendo-a na sua mais destacada prosélita
e ativa defensora.
Foi assim, com o impulso real, que o Culto do
Espírito Santo se expandiu rapidamente por todo o Portugal, um povo fraterno
por natureza, que aprecia, sobremaneira, a liberdade e os grandes ideais e que,
também pela mão da Ordem de Cristo, instituída por D. Dinis, o levou nas
caravelas para o mundo inteiro.
***
Após a morte do marido,
de quem desveladamente cuidou até ao fim, a rainha Isabel envergou o hábito de
Santa Clara, recolhendo-se ao mosteiro de Coimbra, que ela mesma erguera. No
entanto, tal opção não constituiu uma tomada de hábito canónica, com os
respetivos votos, pois a Rainha o fazia somente “por causa da tristeza, e de dor e de humildade”, não tendo que
obedecer às diretrizes da Ordem. Desse modo, não abdicava da sua condição
secular e conservava, assim, todos os seus bens, que dispôs para “fazer igrejas, mosteiros, hospitais e
outros lugares piedosos; para esmolas e outras disposições que queiramos fazer
em vida ou por morte, segundo nos pareça, consideremos por bem e como Deus nos
dê a graça de fazer. “
No ano seguinte, Isabel empreendeu uma viagem a Santigo
de Compostela com um objetivo muito particular: foi entregar ao Apóstolo a sua
coroa de rainha
e tal gesto é profundamente simbólico, como, muito mais tarde, em 1640, o fez o
rei D. João IV ao entregar a Coroa portuguesa a Nossa Senhora da Conceição,
considerada, desde então, como Rainha de Portugal.
Tocada pela peste, Isabel morreu em Estremoz,
no dia 4 de julho
de 1336, supostamente com 65 anos. Durante os nove dias em que decorreu o
traslado do corpo para o mosteiro de Santa Clara em Coimbra, o ataúde de
madeira abriu algumas fendas, provavelmente devido ao calor abrasador que fazia,
mas, para surpresa e encanto dos ali presentes, delas apenas se desprendeu um
perfume suave e maravilhoso que acompanhou todo o processo.
Um outro Milagre das Rosas?
Dois séculos depois, em 1516, devido aos muitos
milagres e curas documentadas que fizera em vida, além do aroma que misteriosamente
exalara do seu cadáver, foi beatificada pelo papa Leão X, sendo,
posteriormente, reconhecida como santa e canonizada por Urbano VIII, em 1625.
Mas muito antes, ainda em vida de ambos os reis de
Portugal, já D. Dinis reconhecia as qualidades invulgares de sua
mulher, expressas com o cunho de sinceridade que ele mesmo introduziu na sua
poesia:
“Pois que vos Deus fez mia senhor
fazer do bem
sempr’o melhor
e vos fez tam
sabedor,
uma verdade vos
direi:
se mi valha
Nosso Senhor
érades boa pera
rei. “
***
O milagre mais emblemático de Isabel foi, sem qualquer
dúvida, o milagre das rosas. O episódio é por deveras conhecido: a Rainha
preparava-se para sair do palácio com moedas ou pães envoltos no regaço e destinados
aos pobres, quando o rei a interpelou, perguntando o que levava escondido. Ao
abrir o regaço, Isabel mostrou que eram apenas rosas, que no chão se
espalharam.
Independentemente de tal milagre ter ou não
acontecido, o fato que passou à posteridade encerra uma grande verdade e aponta
um caminho de premente atualidade, e isso, para mim, é o mais importante de
tudo.
Vimos,
atrás, que a rosa é um símbolo de renascimento espiritual ou do amor místico e,
portanto, transformar moedas ou pães, que são uma alegoria do alimento
material, em rosas, corresponderá a uma transmutação de um estado da
consciência comum para um grau mais elevado, ou seja, a uma iniciação. Será
essa nova visão, através dos olhos da alma, que permitirá ver o Caminho ou a
passagem para a Terceira Idade, o Império do Espírito Santo.
Ora os dois intérpretes deste episódio mítico, ou
deste milagre que se tornou imortal e segue encantando gerações sucessivas,
transmitindo a mensagem para quem a souber ler, são a Rainha Santa Isabel, que
impulsionou extraordinariamente o Culto do Espírito Santo em Portugal e o Rei
D. Dinis, que, afinal, foi quem esteve na base da sua divulgação mundial,
através da epopeia marítima que entreluziu com não menos milagrosa intuição,
deixando-a estruturada para os seus sucessores. Assim sendo, são duas figuras
da História
que terão que ser vistas com outro olhar, ou com aqueles olhos da alma capazes
de verem rosas espirituais no lugar de pão ou de moedas materiais.
***
Segundo Teresa Gomes Mota,
“ em Portugal tudo isto nasce em
Alenquer, que pode assim ser considerado o berço desta terceira idade, de
espiritualidade, de paz e fraternidade universal. Depois de Jerusalém (onde
teve início a Era de Cristo), Alenquer (...) poderá ser a Vila Presépio da Nova
Era.
“
Mas como poderá ser assim se o culto original do
Espírito Santo deixou de ser celebrado em Alenquer, Vila de Rainhas, sem
dúvida, mas que se esqueceu do que era mais importante para elas?
O Culto veio em crescendo até atingir o auge nos
séculos XV e XVI, onde o poder da Igreja Romana (dominando a Segunda Idade)
começou a impor-se, limitando e proibindo vários aspetos do cerimonial e, por
outro lado, fazendo integrar as respetivas Confrarias ou Irmandades nas
Misericórdias,
diluindo cada vez mais a sua influência e a sua “originalidade”, para não lhe
chamar “heresia”...
Em Alenquer, o Culto extinguiu-se há cerca de
duzentos anos, retomando-se, no entanto, a partir do ano de 2007, quando foi
recuperada a igreja do Espírito Santo. No entanto, numa forma depurada pela
hierarquia eclesiástica das manifestações que considerava profanas e inclusive
pagãs, ou seja, controladamente “romanizada”...
Curiosamente, foi nos Açores, umas ilhas a meio do
Atlântico, bem afastadas do continente português e, precisamente por isso, com
maior dificuldade de superintendência pela Igreja, que o Culto do Espírito
Santo mais resistiu e ainda permanece vivo, celebrando, popularmente, os seus
mistérios. Tal como sucede, hoje em dia, em vários pontos do continente
americano, para onde foi levado por emigrantes açorianos.
De todas essas novas paragens, é o Brasil que mais se
destaca, celebrando o culto a partir do século XVI e logo incrementado nos
seguintes, num crescendo até à atualidade, convertendo a Festa do Divino, como
é denominada, numa das mais populares e veneradas por aquela grande nação da
língua portuguesa, Pátria comum de todos que a falam, como dizia Fernando
Pessoa.
Por isso e por tudo que se descreve nos capítulos
anteriores, penso também que, mais ainda do que a língua e a cultura, terá sido
o cerne do Portugal espiritual que se fundiu com o Brasil e, assim sendo, o
centro psíquico dessa Pátria alegórica, mas absolutamente real e verdadeira, já
não se encontra na Península Ibérica – tal como sucedeu com o Culto do Espírito
Santo, cruzou o oceano e foi ancorar no continente sul americano, mais
precisamente no Brasil.
Todavia, foi aos portugueses que foi entregue a
instauração do Império do Divino, ou seja, o Quinto Império espiritual do mundo
e creio que essa responsabilidade não poderá ser transferida.... Como resolver,
então, esse problema?
Há cinquenta anos atrás, no mês de abril de 1974,
Portugal espantou o mundo com a Revolução dos Cravos, apontando um caminho de
não violência e concedendo, sobretudo aos portugueses, um vislumbre da
Liberdade mais autêntica e de como poderá ser, de fato, a união generosa e
fraterna de um povo com alma, com História e com objetivos.
No entanto, por haver sido uma revolução temporal,
foi incompleta, limitada no tempo e não isenta da tentação totalitária de sinal
contrário, como se verificou em várias ocasiões. Desse modo, por muitas manifestações
e palavras de ordem que se continuem a gritar nas ruas, os cravos acabaram por
murchar e Portugal, ainda que usufruindo dos méritos e consequências do novo “establishment”,
viu-se órfão da sua História, de costas voltadas para a sua vocação atlântica e
para o seu Destino espiritual, acabando, inevitavelmente por se esgotar e
perder o seu viço, confirmando o espírito do poema de Pessoa citado
anteriormente:
“Nem rei nem lei, nem
paz nem guerra,
D Define
com perfil e ser
E Este fulgor baço da terra
Q Que é Portugal a entristecer —
B Brilho sem luz e sem arder
C Como o que o fogo-fátuo encerra.
Ninguém sabe
que coisa quer.
Ninguém
conhece que alma tem,
Nem o que é mal nem o que é bem.
(Que ânsi (Que ânsia distante perto chora?)
Tudo é
incerto e derradeiro.
Tudo é
disperso, nada é inteiro.
Ó Portugal,
hoje és nevoeiro...
É
a hora!
Valete,
Fratr Valete frates. ”
Mas será a hora de quê? ...
***
Como
assinalei anteriormente,
em todas as épocas e em diversas regiões do mundo surgiram manifestações de
grandes Seres espirituais que tomaram forma humana e vieram auxiliar a
humanidade a percorrer um determinado ciclo de consciência... Por isso, o seu
ensinamento sempre se dirigiu ao interior de cada ser humano, salientando que
ali se encontra a única via conducente à sua real transformação e que essa é a
condição para que, no mundo dos homens (e, sobretudo, por dentro de cada um), volte a
correr o plasma dos Deuses.
A avaliar pelas manifestações do passado, durante a Sua missão ou
permanência na face da Terra aqueles avatares apoiaram-se, também, numa base de
sustentação terrena, constituída por Discípulos ou Apóstolos que formaram um
Círculo de Resistência ou de proteção e de suporte, em volta dos Mestres.
Posteriormente à sua partida e numa tentativa para remediar aquela ausência,
foram criadas, há muitos milénios, repetindo-se século após século, Escolas de
Mistérios e Ordens Iniciáticas,
a fim de instruírem e auxiliarem cada candidato à transformação espiritual,
apontando-lhe um caminho de auto redenção. E também, conforme os casos,
apoiarem a manifestação dos novos avatares no mundo terreno.
***
Na
atualidade, poderemos, realmente, estar a viver o final de um ciclo, culminando
um árduo trabalho de redenção e transição, preparando a chegada do avatar Encoberto.
Isso não significa, de repente, o surgimento de um estado de “paz e amor”,
emblemas superficiais da New Age, mas a resolução de inúmeras questões, sobretudo
pelo atrito e pela dor, através das lutas de poder que se desenrolam por todo o
lado. O medo, o controle e a falsidade já dominam por completo um mundo
apavorado e fiscalizado pela tecnologia e pela ambição globalista, no qual,
certamente, surgirão mais guerras que farão alternar sucessivos eixos de poder,
liquidando direitos e desmoralizando os povos, exauridos por ditadores e libertadores...
No entanto, tudo se encaminhará, inevitavelmente, para a transição referida e,
por muito problemática e dolorosa que seja, creio que sempre haverá uma luz a
guiar quem a souber distinguir.
Há
dois mil anos, em pleno e poderoso Império Romano e a despeito das barbaridades
que se sucediam em baixo, também se acendeu uma luz resplandecente no céu,
assinalando o caminho para uma humilde gruta em Belém. E houve magos que a
seguiram, vindos de muito longe, para honrar o Mistério.
No
processo atual, a “Gruta do Mistério” também foi assinalada a Ocidente, acredito
que numa montanha do Brasil, e o trajeto “impossível” até lá representa, em si
mesmo, uma iniciação referente ao enigma do surgimento do Encoberto. Sendo
assim, o que poderão transportar os “magos” de agora, vindos igualmente de
muito longe, ou do outro lado do mar?
Para
responder a essa questão teremos que voltar a uma antiga linha de pensamento
iniciático lusitano, citada por Camões e por Fernando Pessoa, assinalando que a
Europa é um “corpo” do qual Portugal representa o “rosto” que se destaca da
Ibéria, como a sua “cabeça”.
Num
livro anterior,
refiro-me a esta mesma questão, procurando entender como será a reintegração
daquela “cabeça”, depois de reorganizada e espiritualmente coroada, num corpo
compatível, como realização do passo seguinte do Plano Quinto Imperial. E sem
esforço, cheguei a esta conclusão:
“Na verdade, será
necessário um novo corpo, jovem e livre de todos os condicionalismos e cargas
do passado; um corpo onde possa circular, sem obstruções, o sangue, entretanto
alterado pelo novo genoma e que, depois, em sucessivas transfusões, circulará
pelos demais países e unirá, espiritualmente, o mundo dos homens.
Creio que esse corpo será o Brasil. Um Brasil futuro, sem mácula,
profundamente renovado e a salvo de todos os assaltos tenebrosos que procuram,
ainda, desviá-lo da sua verdadeira vocação – afinal, um outro Portugal do lado
de lá do mar, segundo o pensamento de Agostinho, esclarecendo-se, assim, a
questão da compatibilidade entre corpo e cabeça...
Esta tese é corroborada por Henrique José de Souza, que utiliza uma
imagem semelhante: "A Península Ibérica é a coroa atlante que ornou o corpo árico dos
remanescentes da terrível catástrofe. A coroa é Portugal, o corpo inteiro o
Brasil...”
Um Brasil coroado
iniciáticamente pela Ibéria e abrindo as portas do Quinto Império ao mundo, é
algo digno de se sonhar e de se construir... Por isso, muitos lhe consagraram
totalmente as suas vidas; o próprio António Vieira, autor da “História do
Futuro” e considerado Pai do conceito de Quinto Império, escolheu deixar Lisboa
para trabalhar e morrer no Brasil, encontrando-se sepultado na catedral de
Salvador da Bahia.
Significativamente,
Agostinho da Silva assinala que a experiência sul americana "será um
regresso ao que na Europa se perdeu, um regresso às possibilidades de começar
de novo. De começar o recomeço."
Ou de ressuscitar o
sonho. “
Portanto, o que os “magos” de agora terão que transportar
para o “presépio” do nosso tempo, serão os valores da Cabeça da Europa que vão
completar o Tronco brasileiro, para se tornar, igualmente, num Corpo inteiro.
Um corpo que poderá, depois, vir a ser preenchido com a Essência do Cristo
Encoberto, se tal Lhe aprouver, dando expressão e realização a todas as
profecias do Quinto Império.
Mas...
Como se viu nos capítulos anteriores, os valores de outrora,
que iniciaram a realização do sonho Quinto Imperial, não são os que animam a
maioria dos portugueses de agora. E relativamente aos restantes povos ibéricos,
os seus valores atuais também não são melhores do que os dos seus vizinhos
lusitanos.
É nesse sentido que Portugal, ou
aquele punhado de portugueses que ainda sinta vibrar em si a sua História e
queira desempenhar o papel por ela apontado na instauração do Quinto Império,
terá que conspirar, agora, a derradeira Revolução, passando dos cravos para as
rosas, seguindo o exemplo figurado por Isabel e Dinis.
Isabel e Dinis prepararam, na
verdade, o Portugal de então para a grande epopeia física e espiritual que lhe
havia sido encomendada e ainda deixaram um milagre como “leitmotiv” ou motivo
condutor, que se foi repetindo e desenvolvendo ao longo dos séculos, recordando
ao Portugal futuro, não só o caminho do Espírito Santo como o meio de o
distinguir.
Apoiar a grande revolução mundial do porvir na
consciência pura do milagre das rosas, será, então, retomar a visão redentora e
luminosa do espírito, simbolizada pelas rosas, em lugar da obsessão globalista-materialista
do mundo de hoje,
representada pelas moedas, que cada vez mais compram consciências em vez de as
transformar.
As rosas serão os fundamentos do Império do
Espírito Santo, constituindo o elemento propulsor da transformação individual
dos seus agentes pela transmutação do seu olhar, permitindo vislumbrar a
presença do Cristo Encoberto por entre o nevoeiro que cobre o mundo. Será essa nova
visão que permitirá agir temporalmente, guiando todos os passos e decisões.
Só então, como parte integrante e ativa do nosso
próprio milagre das rosas, sairemos do NADA e do vazio desolador das nossas
vidas para assumirmos aquele TUDO que possa servir
de modelo para uma nova humanidade, fazendo de Portugal e do grande espaço
ibérico uma plataforma de apoio, de conhecimento e de iniciação para todos
aqueles que pretendam romper as cadeias que os encerram e alcançar a liberdade,
abrindo caminhos novos por dentro e por fora de si mesmos e não se resignando a
morrer sem, antes, terem vivido a revolução do Espírito perfumada pelas rosas
da consciência. Serão esses os homens e as mulheres do Quinto Império universal
ou do novo Paraíso sobre a Terra.
E desse modo Portugal terá, finalmente, cumprido a
sua Missão.
NOTAS
Crónica
dos Frades Menores, Frei Marcos de Lisboa, 1562
No leste da Península
Ibérica, junto aos Pirinéus. Reino cristão, derivado da Reconquista.
Afonso Lopes Vieira, “Onde a
terra se acaba e o mar começa”,
1940
Como
a Ordem de Mariz, dando cobertura ao Posto Representativo de Sintra, em
Portugal, segundo relata a Obra de JHS, que revelou a sua existência.
Henrique
José de Souza, “Cartas, 1957”.
Agostinho da Silva, texto “Considerando o
Quinto Império”, citado
anteriormente.
Isabel e Dinis existem, também, por dentro de cada um
de nós, e o milagre da Transformação e da Superação da
Consciência poderá ocorrer a qualquer momento das nossas vidas se acreditarmos
que tal é possível, uma vez que somos seres espirituais que usam um corpo de
expressão no mundo.