
Talvez não seja muito ousado pensar que se tem de restabelecer Portugal porque talvez alguns defeitos que lhe achamos venham mesmo de origem. Para tal o veremos não como é hoje, mas como se apresentava antes de ser. Era ele na realidade, uma parte, a meridional, da província romana cujo nome a Galiza herdou, de modo que parecia possível que o futuro país se estendesse do mar Cantábrico até, vamos, ao Douro. Não sucedeu, porém, assim: acontecimentos históricos, que não podemos, pois que nada se sabe, ou não sabemos nós, da máquina que move a História, classificar de bons ou maus, fizeram que os territórios do Norte viessem a integrar o que, depois de séculos de mudanças, é hoje a Espanha. O Sul para o sul veio avançando, se estabeleceu em trechos da Lusitânia, também aceitaremos, até o Tejo, daí tomou as planícies de além-rio e só parou, por uns tempos, porquanto lá se lançou depois de navegar, quando se sentiu também mediterrâneo. É evidente que tudo que se pudesse passar de político, juridicamente político, para a volta ao início é do domínio de dois Estados soberanos, e só Lisboa e só Madrid teriam autoridade para tais modificações, não pensando eu, por outro lado, que fosse certo corrigir traçados de fronteira, ou até suprimi-la, como alguns chegaram a propor, de um lado e outro, a meu ver com excelentes intenções - talvez as tais de que está cheio o inferno na determinada teologia do Povo -, mas sem futuro algum. O que há, portanto, a fazer é só no campo cultural e o ideal seria aí uma unidade, sempre desejando e sempre admitindo variedades, do Noroeste da Península, marcando-a desde a Corunha e sua Torre de Hércules e desde Ribadeo até o Douro, meu rio nativo, com toda a largura que vai do Atlântico às Astúrias e, sobre o Sul, a Leão-Castela. É bom, além de tudo, que a língua comum se encontre em dois estádios e assim se conserve, sem artificialismos de junção, com a Galiza a fazer-nos saudades das poéticas e práticas flores de Dom Dinis. Só quando tudo for assim estará Portugal pronto para sua nova linha de partida. No estímulo e na guarda de Santiago Apóstolo, miticamente o abraçando.
("Carta Vária", 7.04.87)
Não é possível mais, daqui por diante, um afastamento de Portugal dos outros povos da
É evidente ter de manter cada povo a sua individualidade, cada país ou cada estado tem de ser muito bem definido e muito bem limitado, mas torna-se completamente impossível praticar, entre as culturas, os divórcios havidos na História de Portugal até agora.
Temos de entender todas as culturas da Península e teremos de compreender todas as culturas desses povos, a partir daqui a entrarem numa obra conjunta.
(entrevista, 1986)
Costumo insistir em três pontos que me parecem essenciais na história da cultura portuguesa. É o primeiro o do Culto Popular do Espírito Santo, o segundo o do pensamento messiânico do Padre António Vieira, o terceiro o da heteronímia do Poeta Fernando Pessoa.
Assinala-se a existência do Culto com a vinda da Princesa Isabel a casar com El-Rei Dom Dinis.
Caracteriza-se o segundo pela concepção do Quinto Império.
É o terceiro bem conhecido pelo que escreveram Álvaro de Campos, Ricardo Reis ou Alberto Caeiro.
Curiosamente, são os três de algum modo peninsulares: era Isabel, depois santificada, do Reino de Aragão; militou Vieira na Companhia de Jesus de Santo Inácio de Loiola; teve Pessoa ascendência galega, aí como Camões.
(texto de 1985)
Antes de 1974, visitei muitas vezes a Galiza, aprofundei o meu conhecimento da história e da cultura galegas, o que fortaleceu uma ideia minha de que devemos repensar a fundação de Portugal. Não no sentido de buscar informação nova ou de propor interpretações diferentes, mas para questionar o que se poderá chamar os erros da história de Portugal.(...)
Tenho a ideia estranha de que se está em vésperas (no sentido de algo que pode acontecer agora ou daqui a mil anos) de uma nova expansão, muito mais interessante do que a anterior, porque vai ser feita com a companhia de Espanha. Uma expansão de cultura, não estritamente portuguesa mas peninsular, abolido o tratado de Tordesilhas, que se não fará, como a primeira, pelo comércio, ou pela introdução de formas ou linguagens religiosas em vez de religião.
(entrevista,1985)
A única região que já é ibérica do futuro é a Galiza. Exactamente porque é uma região de língua e de cultura fortemente Minhota, se não quisermos dizer Portuguesa, de herança Celta, se quisermos ir para alguma adivinhação pré-histórica; e ao mesmo tempo, pela paixão de Isabel, a Católica, pela Galiza, é uma região que também apanhou muita coisa da cultura que poderíamos chamar Espanhola, predominantemente Castelhana. De maneira que, se olharmos a Galiza, ela poderá ser o ponto da Península em que já duas culturas se entendem e, poderíamos dizer, começam a ter alguma mestiçagem. O que tem um aspecto curioso, quando muitos escritores ou intelectuais Galegos acham que seria muito interessante que o Galego se fosse aproximando do Português - pelo menos o falado, se isso for possível, e o escrito, sobretudo por causa da área que vai ser abrangida pela Língua Portuguesa; que deixa hoje de ser portuguesa para ser uma língua galaico-luso-afro-brasileira...
(entrevista, 1986)
Do rectâng
Quando se diz ter Portugal de fazer alguma coisa, o que tem de ser feito sê-lo-à por todos os homens de língua portuguesa. A missão de Portugal, agora, se de missão poderemos falar, não é a mesma do pequeno Portugal, quando tinha apenas um milhão de habitantes, que se lançou ao Mundo e o descobriu todo, mas a missão de todos quantos falam a língua portuguesa. Todos estes povos têm de cumprir uma missão extremamente importante no Mundo.
(entrevista, 1986)
A Nação Portuguesa poderá desmentir todos os que a consideram falida, orientar a Península e conseguir que a dita Península seja o apoio de todos os Povos e de todos os homens que apenas se querem cumprir e se não resignam a morrer sem ter plenamente vivido.(...)
Não há uma só Península Ibérica, mas duas, sendo a outra a mal denominada América Latina...
("Carta Vária", 5.02.87)
O entendimento fecundo com a Espanha seria uma grande condição da nova expansão portuguesa.
(entrevista, 1985)
Portugal - hoje maior do que nunca porque tendo largado escravos a Irmãos ganhou, os do Brasil e os da África e os da Ásia -, se salvará de todos os desastres por sua boa estrela, seguro de ressurreição, mesmo que morte haja; capitaneará uma Península de Nações, Finisterra de um mundo que se acaba lançada para o mundo que começa; incluirá uma Europa, que apodrece em seus mesquinhos interesses, na vasta, poderosa corrente de pensamento e de acção que dele tem de brotar; e fará do conjunto dos Povos que às Línguas da Ibéria usam, por nascimento ou adopção, a força capaz de ultrapassar todos os antagonismos de Leste e Oeste ou de Norte e Sul, mostrando que a Humanidade é uma, como outrora mostrou ser uno o Mar; e, mais além, que transcendência e imanência, juntas, o Uno são.
(texto de 1981)
Só os Povos Ibéricos, a toda a volta do mundo, lhe poderão, a ele mundo, dar mundo novo; mas entende-se, naturalmente, que portugueses prefiram que o arranque venha de Lisboa, ou Brasília ou Luanda; ou até de Compostela, separada Irmã, que, de farol da unidade cultural europeia, passaria a farol da unidade de cultura universal.
(texto de 1980)